São Paulo, sábado, 31 de outubro de 2009

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Ameaça de mais sanções econômicas americanas desata o nó

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Para convencer Roberto Micheletti a aceitar o acordo celebrado ontem em Honduras, os enviados americanos ameaçaram não reconhecer as eleições de novembro, o que isolaria ainda mais o regime golpista da comunidade internacional, e ampliar as sanções econômicas já em vigor. A combinação encontrou ressonância num país cuja economia tem 7 de cada 10 dólares vindos dos EUA.
O time obamista, liderado pelo secretário-assistente para o hemisfério Ocidental, Thomas Shannon, e o número 1 da Casa Branca para a região, Dan Restrepo, corria contra um relógio imposto pelo próprio governo americano. Na avaliação de Washington, a eleição presidencial é a única solução para o impasse, e o reconhecimento dela pela comunidade internacional estaria comprometido caso um acordo não estivesse de pé um mês antes do pleito.
Essa data venceu anteontem. E foi com ela em vista que os diplomatas apertaram o cerco aos golpistas. Tudo foi feito em tom educado e conciliador, mas efetivo. Essa ofensiva começou na noite de sexta passada, quando a secretária de Estado, Hillary Clinton, falou ao telefone com os dois líderes. A conversa com Zelaya foi qualificada por diplomatas americanos como produtiva; a com Micheletti, de ríspida.
A partir de então, Hillary passou a articular com a Casa Branca, até então ausente do dia a dia das negociações, o envio de um time de alto nível, encabeçado por Shannon, da Chancelaria, e Restrepo, do Conselho de Segurança Nacional. Os dois tinham carta branca para lidar com ambas as partes. O desafio era tirar do caminho o único obstáculo ao acordo: a volta de Zelaya ao poder.
Micheletti não a aceitava tal como rezava o Acordo de San José, e Zelaya e boa parte dos países da região não aceitavam trato que não contemplasse o assunto. A solução encontrada foi passar a bola da decisão para o Congresso hondurenho, sobre o qual ambos os líderes sustentam ter influência. Respondendo ontem a uma pergunta da Folha em teleconferência, Thomas Shannon confirmou a importância adquirida pelo Legislativo local na negociação.
As perguntas foram: E se o Congresso decidir que Zelaya não volta ao poder, ele aceitará a decisão? Ele disse isso a Shannon e Restrepo? "Ambos os lados passaram a decisão ao Congresso na questão da restituição", respondeu Shannon. "Ambos indicaram que vão aceitá-la, e eu acreditei neles. O presidente Zelaya crê ter forte influência sobre o Congresso e é por isso que concordou com isso, e o sr. Micheletti crê que também tem. Então, é uma questão política que vai ser resolvida politicamente."
De resto, o clima na delegação americana era de entusiasmo, e o acordo de ontem foi considerado pela diplomacia obamista como a primeira vitória do presidente democrata numa região, a América Latina, que anda carente de ações concretas vindas da nova equipe da Casa Branca. Já na madrugada de ontem, em declaração a partir de Islamabad, onde se encontrava, Hillary Clinton chamou o acordo de "histórico", termo que seria repetido por Shannon e Restrepo.
"Não me lembro de outro país na América Latina que, tendo passado por uma ruptura em sua ordem democrática e constitucional, tenha superado a crise por meio da negociação e do diálogo", disse ela. "É um grande passo adiante para o sistema interamericano e seu compromisso com a democracia, conforme incorporado na Carta Democrática Interamericana", concluiu, referindo-se aos princípios da OEA.
Em Washington, de John Kerry ao escritório de lobistas contratados pela associação comercial que apoiava o golpe, todos elogiaram o desfecho. O senador democrata aproveitou para pedir que os republicanos levantem o bloqueio aos nomes de Shannon, indicado por Obama para ser embaixador no Brasil, e Arturo Valenzuela, para substituí-lo no atual cargo. "Com a crise resolvida, espero uma confirmação rápida" dos nomes, disse o senador.
Até a conclusão desta edição, o republicano Jim DeMint, autor do bloqueio, não se manifestara. Indagado pela Folha se já preparava as malas para mudar para o Brasil, Shannon riu: "Farei minhas malas após o Senado confirmar meu nome".


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