São Paulo, terça-feira, 31 de dezembro de 2002

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NOTÍCIAS DO FRONT

Casa Branca decide permitir que repórteres testemunhem a possível ofensiva contra o Iraque

Pentágono treina jornalistas para guerra

ROSA TOWNSEND
DO "EL PAÍS", EM MIAMI

Pela primeira vez desde a Guerra do Vietnã a imprensa terá assentos de primeira fila em um conflito armado iniciado pelos Estados Unidos.
O Pentágono decidiu que, para melhorar sua imagem diante da opinião pública internacional, é mais interessante oferecer acesso aos meios de comunicação -depois de treiná-los previamente- do que informar sobre o conflito em entrevistas, como aconteceu na Guerra do Golfo, em 1991.
Naquele conflito, o general Norman Schwarzkopf manipulou o fluxo de informações de acordo com suas conveniências, na opinião do veterano repórter da cadeia de televisão CBS, Morley Safer. A situação chegou a um ponto em que Schwarzkopf estava usando os jornalistas para se dirigir diretamente ao público americano. Sabia que ninguém seria capaz de contradizer sua versão.
A idéia de relaxar as regras depende de uma mudança na política de sigilo que reina na Casa Branca. A alteração veio do presidente Bush, talvez prevenido pelo sabor desagradável deixado por seu pai nas redações dos EUA durante a Guerra do Golfo.
"O objetivo é confrontar a propaganda antiamericana em todo o mundo", sublinha Bryan Whitman, porta-voz do Pentágono. "E que melhor maneira de combater a desinformação do que apresentar reportagens objetivas sobre a situação real?"
Os militares aprenderam essa última lição no Afeganistão. A experiência lá, diz Whitman, pesou bastante na decisão. Cedo ou tarde, de uma maneira ou de outra, a imprensa sempre acabava se inteirando dos fatos. Os repórteres não tiveram permissão do Pentágono para ir às áreas de combate até quase o final do conflito, e o resultado foi desastroso, admite o Pentágono.
Os militares lamentam especialmente uma operação, em julho, na qual um avião AC-130 atacou uma aldeia afegã no sul do país, causando a morte de dezenas de civis, mulheres e crianças. Os EUA acusaram o Taleban de dispor essas pessoas como escudos humanos em torno de objetivos militares, mas, quando os jornalistas entrevistaram moradores locais, posteriormente, estes contaram que uma festa de casamento estava sendo realizada, e foi essa a versão que o mundo acabou recebendo.
A hipótese atual do Pentágono é que, se os repórteres tivessem participado da missão, pelo menos poderiam ter divulgado uma versão alternativa. "As primeiras imagens são cruciais porque marcam a pauta da guerra", disse James Wilkinson, porta-voz do Comando Central das Forças Armadas, ao "New York Times".

Jornalista "soldado"
A nova doutrina de informação requer primeiro a preparação dos jornalistas em campos de treinamento militar dos EUA. O curso, com duração de uma semana, inclui primeiros socorros em combate, uso de mapas, orientação no campo de batalha, camuflagem e defesa contra ataques químicos e bacteriológicos. Os jornalistas também aprenderão como manobrar sob fogo direto e indireto e como detectar campos minados.
O Pentágono fez o anúncio mas não detalhou os procedimentos de seleção ou logística quando os jornalistas chegarem à frente de batalha. O processo estará aberto a todos os meios de comunicação nacionais e internacionais? Em que lugares? Qual é o prazo de inscrição? Os jornalistas que se apresentarem à zona de operações por conta própria, sem passar pelo treinamento, terão negado seu acesso?
A mídia americana acolheu favoravelmente a mudança de política, mas não sem uma dose saudável de ceticismo, especialmente depois da informação, semanas atrás, de que a CIA queria recrutar jornalistas para aumentar seu quadro de espiões. O Pentágono assegura que isso não tem nada a ver com os planos da CIA, e que o objetivo é somente facilitar o trabalho dos jornalistas.



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