São Paulo, quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

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"Equilíbrio precário" pode amarrar transformações

DA ENVIADA A HAVANA

Para o cubano Luis Sexto, uma das vozes mais influentes do jornalismo cubano, com textos no jornal oficial "Juventud Rebelde" e em seu blog, Cuba atravessa um paradoxo: a atenção à prudência que julga ser necessária para operar mudanças na ilha, que vive em "precário equilíbrio", pode se transformar numa forte amarra. Professor de comunicação na Universidade de Havana, Sexto falou à Folha por e-mail na semana passada e esclarece: "Respondi como jornalista que, além de revolucionário, apóia a luta para manter as conquistas da revolução. Não há caráter oficial ou político". (FM)

 

FOLHA - O sr. define Cuba como uma sociedade em "equilíbrio precário". Nos seus textos, o sr. elogia os debates e cobra mudanças além dos manuais. Como enxerga as coisas agora, depois dos furacões e com a crise? A mudança será mais lenta?
LUIS SEXTO
- O precário equilíbrio se mantém. As condições materiais não se elevaram até satisfazer todos os cubanos, tampouco os instrumentos democráticos gerados pela revolução alcançaram seu pleno desenvolvimento. O país vai devagar porque o solo não é firme e, por outro lado, quando o solo não é firme é preciso andar o mais rápido possível. A situação de Cuba pode ser vista da mesma posição sob dois critérios: desde o que recomenda cautela em qualquer movimento de renovação até o que sugere chegar com rapidez às transformações pelos imperativos da situação precária de que padece o país. Os três últimos furacões, um recorde de agressividade da natureza contra a ilha, danificaram tanto a obra material que qualquer projeto de reforma se inabilita agora. Portanto, aceito que Cuba vive um paradoxo que pode derivar em círculo vicioso se a prudência demora mais do que o conveniente para alcançar condições para um processo de retificação. Uma sociedade é um organismo vivo que às vezes corresponde a impulsos muito soterrados que nenhuma vontade humana pode prever ou deter. As coisas, lamentavelmente, não são como um otimismo extremista pode sugerir ou como costumam vê-las os burocratas acomodados a ditar ordens de um despacho de cristais.

FOLHA - Qual é a expectativa sobre a Casa Branca, sua e do debate público em Cuba?
SEXTO
- Em si mesmo, Obama representa uma mudança nos EUA, de modo que a expectativa fundamental deve ser do povo americano. Em Cuba, estima-se que um político afro-americano como presidente do país mais poderoso do planeta teria de favorecer as relações justas e respeitosas com Cuba e eliminar o bloqueio e sua rede de leis restritivas da economia cubana.

FOLHA - Tem havido mudança de tom em algumas reportagens do "Granma" e do "Juventud Rebelde". O "Granma" estreou neste ano uma sessão de cartas dos leitores. É preciso mudar esse ponto também?
SEXTO
- A imprensa e seu papel têm sido largamente discutidos em nosso país. Há quase 40 anos sou jornalista em Cuba. Pude exercer minha profissão com liberdade. Mas tive de pôr uma cota especial de perseverança e convicções. Não temos praticado um ofício cômodo. Em nosso país, a burocracia é uma força considerável que impõe regras e visões. E a imprensa é uma das "más visões" da burocracia, como o bicho-papão que assusta as crianças. A imprensa para as atitudes burocráticas é como um antídoto, o inimigo, porque a imprensa e a informação são formas de anular abusos de poder. Portanto, você pode ver momentos em que a imprensa tenta fazer sua função crítica dentro do sistema. É, desde logo, a expressão natural da luta de contrários em toda a sociedade. E o litígio ainda não se decide porque a sociedade cubana não eliminou as causas do poderio burocrático que a limita. Enfim, apesar de tudo, a imprensa ganha espaço. Muitos estamos convencidos de que seja necessária.

Leia a íntegra da entrevista
www.folha.com.br/083651



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