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"Equilíbrio precário" pode amarrar transformações
DA ENVIADA A HAVANA
Para o cubano Luis Sexto,
uma das vozes mais influentes
do jornalismo cubano, com textos no jornal oficial "Juventud
Rebelde" e em seu blog, Cuba
atravessa um paradoxo: a atenção à prudência que julga ser
necessária para operar mudanças na ilha, que vive em "precário equilíbrio", pode se transformar numa forte amarra.
Professor de comunicação na
Universidade de Havana, Sexto
falou à Folha por e-mail na semana passada e esclarece:
"Respondi como jornalista que,
além de revolucionário, apóia a
luta para manter as conquistas
da revolução. Não há caráter
oficial ou político".
(FM)
FOLHA - O sr. define Cuba como
uma sociedade em "equilíbrio precário". Nos seus textos, o sr. elogia
os debates e cobra mudanças além
dos manuais. Como enxerga as coisas agora, depois dos furacões e com
a crise? A mudança será mais lenta?
LUIS SEXTO - O precário equilíbrio se mantém. As condições
materiais não se elevaram até
satisfazer todos os cubanos,
tampouco os instrumentos democráticos gerados pela revolução alcançaram seu pleno desenvolvimento. O país vai devagar porque o solo não é firme e,
por outro lado, quando o solo
não é firme é preciso andar o
mais rápido possível.
A situação de Cuba pode ser
vista da mesma posição sob
dois critérios: desde o que recomenda cautela em qualquer
movimento de renovação até o
que sugere chegar com rapidez
às transformações pelos imperativos da situação precária de
que padece o país.
Os três últimos furacões, um
recorde de agressividade da natureza contra a ilha, danificaram tanto a obra material que
qualquer projeto de reforma se
inabilita agora. Portanto, aceito
que Cuba vive um paradoxo
que pode derivar em círculo vicioso se a prudência demora
mais do que o conveniente para
alcançar condições para um
processo de retificação.
Uma sociedade é um organismo vivo que às vezes corresponde a impulsos muito soterrados que nenhuma vontade
humana pode prever ou deter.
As coisas, lamentavelmente,
não são como um otimismo extremista pode sugerir ou como
costumam vê-las os burocratas
acomodados a ditar ordens de
um despacho de cristais.
FOLHA - Qual é a expectativa sobre
a Casa Branca, sua e do debate público em Cuba?
SEXTO - Em si mesmo, Obama
representa uma mudança nos
EUA, de modo que a expectativa fundamental deve ser do povo americano. Em Cuba, estima-se que um político afro-americano como presidente do
país mais poderoso do planeta
teria de favorecer as relações
justas e respeitosas com Cuba e
eliminar o bloqueio e sua rede
de leis restritivas da economia
cubana.
FOLHA - Tem havido mudança de
tom em algumas reportagens do
"Granma" e do "Juventud Rebelde".
O "Granma" estreou neste ano uma
sessão de cartas dos leitores. É preciso mudar esse ponto também?
SEXTO - A imprensa e seu papel
têm sido largamente discutidos
em nosso país. Há quase 40
anos sou jornalista em Cuba.
Pude exercer minha profissão
com liberdade. Mas tive de pôr
uma cota especial de perseverança e convicções. Não temos
praticado um ofício cômodo.
Em nosso país, a burocracia é
uma força considerável que impõe regras e visões. E a imprensa é uma das "más visões" da
burocracia, como o bicho-papão que assusta as crianças.
A imprensa para as atitudes
burocráticas é como um antídoto, o inimigo, porque a imprensa e a informação são formas de anular abusos de poder.
Portanto, você pode ver momentos em que a imprensa tenta fazer sua função crítica dentro do sistema.
É, desde logo, a expressão natural da luta de contrários em
toda a sociedade. E o litígio ainda não se decide porque a sociedade cubana não eliminou as
causas do poderio burocrático
que a limita. Enfim, apesar de
tudo, a imprensa ganha espaço.
Muitos estamos convencidos
de que seja necessária.
Leia a íntegra da
entrevista
www.folha.com.br/083651
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