Índice geral New York Times
New York Times
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ANÁLISE

Após o levante, uma transição conturbada

Mohamed Al Sayaghi/Reuters
Desertores do Exército cumprimentam manifestantes contrários ao governo, em Sanaa, a capital do Iêmen
Desertores do Exército cumprimentam manifestantes contrários ao governo, em Sanaa, a capital do Iêmen

Por ANTHONY SHADID
Cairo

Por meio de eleições, protestos, formações do governo e luta armada, os países árabes estão mais do que nunca envolvidos em uma tentativa de não apenas derrubar seus líderes, mas de moldar decisivamente o que virá a seguir.

O epicentro dessa luta está novamente na praça Tahrir, no Cairo, onde um movimento de protesto foi reiniciado, e dezenas morreram em incidentes violentos. Alguns saudaram isso como uma nova revolução, ou como a abertura de uma nova frente em uma revolução antiga. Mas o melhor seria dizer que é o fim do começo. Os fatos que pipocam aqui e por toda a região parecem ser os mais decisivos desde a explosão de otimismo que acompanhou o surgimento das revoltas, no início do ano.

"Em janeiro, era uma revolta contra a ditadura, e agora é uma revolta contra o que resta daquela ditadura", disse Noureddine Sateh, colunista do jornal esquerdista libanês "Al Safir".

"A queda dos regimes não foi a revolução, mas apenas uma maneira de estabelecer as bases para a Primavera árabe. A liberdade e a democracia precisam de tempo."

Ninguém esperava que as rebeliões árabes seriam uma marcha simples para frente, mas raramente as coisas pareceram tão fluidas, com mais potencial para fragmentação, derramamento de sangue e desordem. Enquanto muitos analistas veem os distúrbios como um inevitável acerto de contas com o legado da ditadura, outros temem que a região atravesse anos de turbulência até surgirem sistemas que substituam a ordem dominante.

Há medo do caos, mas há esperança de tornar as revoluções reais. "O que estamos vendo no mundo árabe agora é um estado de pânico", escreveu o colunista libanês Fadel Shallak. "Os governantes estão com medo do seu povo, a elite está com medo dos pobres, a classe média está com medo das classes baixas e das pessoas comuns."

A eleição de outubro na Tunísia, apontada como um modelo, foi notável por sua civilidade. Mas foi uma exceção, enquanto o resto da região testemunhava mais tumultos e confrontos.

No Iêmen, o presidente Ali Abdullah Saleh aceitou renunciar, mas as forças envolvidas no conflito permanecem em suas trincheiras, envolvidas no conflito.

Na Líbia, os ex-rebeldes formaram um governo, mas enfrentam o desafio de conciliar regiões que funcionam como cidades-Estados, com suas próprias milícias.

No Bahrein, um aguardado relatório sobre a repressão aos protestos deste ano fez críticas contundentes ao governo. E a Síria nunca esteve tão isolada quanto agora por causa da violência contra os manifestantes.

No Egito, a disputa entre manifestantes e militares, vistos por alguns como parte da velha ordem deixada pelo ex-presidente Hosni Mubarak, ofuscou a eleição de um novo Parlamento.

"O conselho militar governante é corrupto e não muito diferente de Mubarak, mas é o que temos por enquanto", disse o motorista Mohamed Sharawy, 45, num comício nacionalista convocado para prestar apoio à junta militar.

É fato que na Tunísia alguns -especialmente os grupos islâmicos- temiam o surgimento de um Estado às sombras, mas em nenhum lugar isso é tão claro quanto no Egito, onde os militares apostaram suas fichas no que acreditam ser uma maioria silenciosa, cansada da incerteza e da ansiedade prolongadas no país.

Na praça Tahrir, o professor Sharif Ibrahim olhou sobre um ombro para a multidão que voltava a crescer, imbuída da promessa revolucionária.

Sobre o seu outro ombro se viam os detritos deixados por dias de confrontos entre policiais e manifestantes.

"Há um ponto de interrogação desenhado em cima das cabeças de todos nós", disse Ibrahim.

O medo ainda é um elemento em muitas das transições. O International Crisis Group alertou que a situação na Síria "indubitavelmente entrou na sua fase mais perigosa".

O governo alimenta o medo de um futuro sangrento para justificar o seu regime, embora ele degrade as instituições do Estado, administre um país em crise econômica e exacerbe tensões sectárias.

"O medo é evidente em Damasco, dá para vê-lo nos olhos das pessoas", disse um empresário que se identificou apenas como Makarem, 30. "Mais pessoas estão se voltando contra o regime a cada dia, mas mesmo elas têm medo do que acontecerá em seguida, do futuro."

Na Líbia, a promessa revolucionária esbarra nos trôpegos esforços - dos clãs, das cidades e das várias forças militares que formaram uma frouxa coalizão para derrubar Muammar Gaddafi - para a formação de um governo funcional.

O novo primeiro-ministro nomeou os líderes das milícias de Zintan e Misrata, duas cidades que foram cruciais na derrubada de Gaddafi, como ministros da Defesa e Interior, numa decisão que pareceu guiada pelo interesse em reprimir a obstinação deles e equilibrar o poder que cada um representa.

Combatentes de Zintan se recusam a deixar a capital, e desarmar os jovens líbios continua sendo uma árdua tarefa. "Estou esperançoso, mas um pouco em pânico com tantos desafios", disse Idris al Fasi, consultor da estatal líbia de eletricidade.

No Iêmen, país visto como o mais propenso a implodir, as manifestações não pararam, e há irritação nas ruas contra um acordo que concedeu imunidade a Saleh. A oposição defendeu a medida, alegando que ela evitará uma guerra civil.

Na praça da Mudança, base da rebelião em Sanaa, a capital iemenita, os manifestantes disseram ter aprendido uma lição do Egito: a saída do líder não significa que a revolução está completa.

Sentado em uma das centenas de tendas da praça, o funcionário público Ali Mohammed al Hadda refletia sobre seus colegas egípcios: "Hosni Mubarak foi embora; eles voltaram para suas casas antes que seus objetivos fossem alcançados".

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.