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Inteligência /Cristina Comencini

Na Itália, curando antigas rixas

ROMA

O fato que detonou a formação de um novo governo de tecnocratas na Itália ocorreu em 13 de fevereiro, quando enormes demonstrações organizadas por mulheres em todo o país abalaram as bases do sistema político.

As mulheres italianas se reuniram para pedir mudanças, provando que lados opostos podem e devem conversar pelo bem comum e para criar um país melhor para todos os italianos.

Diferenças políticas e partidos políticos ainda fazem parte da paisagem italiana, e ninguém acredita que o governo deva ficar para sempre nas mãos de tecnocratas, como agora.

O movimento busca superar as ideias conflitantes que caracterizaram o período pós-guerra, manchando a Itália de sangue e evitando que o país desenvolvesse seu potencial.

A sociedade italiana é dominada por interesses particulares, por corporações que tentam frear as reformas nos partidos políticos, nas instituições e na sociedade. O dogma corporativo que perpetua privilégios entrincheirados e teme qualquer coisa nova tornou-se o modo de ser italiano, uma espécie de depressão nacional, a filosofia derrotista em que os jovens são criados.

Muitos italianos veem com clareza as reformas necessárias para estimular a energia, a força e a criatividade do país: impostos menores sobre o emprego e as empresas; impostos maiores sobre bens de capital e propriedades e serviços públicos modernizados. Mas eles também temem que o sistema político não consiga realizar essas reformas.

Poucos acreditam que os acordos necessários para levar a Itália a um futuro melhor -acordos entre parceiros de coalizão e grandes sindicatos, entre uma geração e outra, entre homens e mulheres, entre empregados permanentes e temporários, entre estudantes e professores e entre norte e sul - são possíveis no atual clima político.

As mulheres foram as primeiras a indicar um caminho pelo qual a Itália pode sanar suas antigas divisões, mas somente se elas puderem entrar na sociedade como iguais.

O ex-governador do Banco da Itália, Mario Draghi, hoje presidente do Banco Central Europeu, disse que aumentar a representação das mulheres na força de trabalho aumentaria substancialmente o índice de crescimento da economia do país.

Depois da queda do governo de Silvio Berlusconi, isso se tornou uma possibilidade. Em seu discurso de posse, o novo primeiro-ministro italiano, Mario Monti, colocou as mulheres e os jovens no centro da agenda de seu governo e entregou três ministérios chaves para mulheres extremamente competentes.

Dar às mulheres acesso igual na sociedade significa sobretudo promover o emprego feminino.

A Itália tem o menor índice de emprego feminino na Europa, depois de Malta e a Hungria. Também é o país onde as mulheres realizam a maior parte do trabalho não pago e que tem a menor taxa de nascimentos.

As mulheres compensam as inadequações do Estado; elas alimentam a próxima geração e cuidam dos idosos, já que o governo tem poucos programas para suprir essas necessidades.

Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas da Itália, as jovens italianas são as que têm o maior nível de instrução superior no mundo: 60% dos formados na Itália são mulheres, à frente do Reino Unido (58%) e dos Estados Unidos (58,5%).

A Itália definiu tendências na educação superior; em 1998, 56% dos formandos em faculdades na Itália eram mulheres.

Mas essa conquista educacional não se traduz no local do trabalho. E a situação é ainda pior quando as mulheres italianas pensam em se casar ou ter filhos.

Muitas mulheres com filhos que abandonam o trabalho têm ideias como estas: "Não há creches públicas, e se eu tiver de pagar por uma particular não vale a pena trabalhar, por isso vou ficar em casa e cuidar eu mesma dos meus filhos".

E as mulheres mais jovens que querem ter uma profissão dizem: "Quando eu puder ter um filho sem abandonar o trabalho, estarei velha demais".

O sistema de assistência social italiano precisa ser reformado para permitir que as mulheres trabalhem e também tenham filhos. O trabalho feminino deveria ter impostos favoráveis.

Há necessidade de construir creches, as escolas devem ser em período integral e a licença-paternidade deve ser compulsória.

Mas as mulheres também precisam ter acesso igual a instituições do governo, partidos políticos e Parlamento, onde hoje elas representam apenas 20% dos membros.

A crise atual ensinou aos italianos algumas lições dolorosas. Uma que eles precisam levar a sério para construir um futuro melhor é que somente quando as mulheres forem atores chaves, tanto na sociedade como na política, a Itália alcançará seu pleno potencial.

Cristina Comencini é romancista e diretora de cinema. Seu livro, "Quando la Notte " [Quando a Noite], será publicado em inglês durante 2012.

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