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Mianmar se abre sem dar voz ao campo

Sem água, sem luz e sem esperança de prosperidade

HTAN PIN, Mianmar - Os agricultores deste vilarejo nos arredores de Yangun, maior cidade de Mianmar, dão de ombros quando questionados sobre a democracia, palavra com a qual não estão familiarizados.

Embora as medidas liberalizantes promovidas pelo presidente Thein Sein - como a libertação de alguns presos políticos, a redução das restrições para a compra de carros e a reformulação do sistema bancário- venham convencendo os céticos das classes urbanas, elas parecem muito distantes em Htan Pin, a menos de uma hora de carro da antiga capital.

"Não temos tempo para pensar em política", disse o agricultor U Toe Naing, 44, que a exemplo de muitos vizinhos seus se endividou mais do que o previsto com as safras ruins dos últimos anos.

A visita ao país da secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, em 30 de novembro, e o subsequente aceno de ajuda econômica feito por ela atiçaram a imaginação das populações urbanas.

Também fizeram com que as atenções se voltassem para a ambiciosa pauta do novo governo para reverter anos de regime militar e de má gestão econômica.

Mas, nas zonas rurais, camponeses descrevem uma sensação de estagnação. "As coisas não estão tão diferentes", disse o rizicultor U Tin Win Hlaing, 41. "Houve um pouquinho de mudança."

Dos 55 milhões de birmaneses, 70% trabalham na agricultora, setor seriamente atrofiado nas últimas décadas pela escassez de crédito, pelo maquinário precário e pelo instável acesso aos mercados internacionais.

A maioria dessa população, porém, depende exclusivamente do campo para garantir sua fonte de renda e de seus familiares.

Como alternativa para manter sua atividade e renda familiar, os agricultores contraem empréstimos no mercado negro com juros superiores a 200% ao ano.

"Temos de fazer empréstimos e devolver, fazer mais empréstimos e devolver", disse Tin Win Hlaing, explicando sobre como costuma acontecer o ciclo de empréstimos na agricultura do país.

Ele e seus vizinhos não têm eletricidade, água encanada ou celular. A estrada mais próxima fica a 20 minutos andando a pé.

Alguns camponeses usam utensílios agrícolas chineses que quebram com frequência; outros empregam bois.

Os bebês nascem em casa, quando o parto não tem complicações.

"Às vezes, porém, as mães morrem ainda a caminho do hospital", disse Toe Naing.

O governo diz que ajudar o setor agrícola é prioridade, mas a tarefa é monumental, após décadas em que os militares tentaram gerir diretamente a economia.

Os agricultores são proibidos de possuírem as terras que lavram, o que complica futuros esforços para usar as propriedades como garantias creditícias.

Uma importante diferença entre o atual governo e a junta militar que o antecedeu é a aparente preocupação de Thein Sein com a pobreza, especialmente nas áreas rurais do país.

A junta, que passou mais de duas décadas no poder, rejeitava a ideia de que havia pobreza no país, e expulsou um alto funcionário da ONU que iniciou uma campanha antipobreza na região.

Ultimamente, o governo tenta salientar seu foco na agricultura, incentivando a imagem de fomentador de atividade no campo. Além de promover novas técnicas e diversificação da produção.

Em 30 de novembro, toda a capa do jornal oficial "A Nova Luz de Mianmar" era dedicada aos esforços para aumentar o bem estar rural por meio do desenvolvimento de diferentes linhagens de arroz de alta produtividade.

O artigo aconselhava a substituição gradual e constante de técnicas agrícolas tradicionais -uma aparente referência aos arados puxados por bois- por um "sistema agrícola mecanizado".

Defendia também uma melhor formação para os camponeses, dizendo que 80% deles eram "ordinários em termos de educação". O texto não definia "ordinário".

Os agricultores dizem que agora têm menos medo de abordarem funcionários do governo para tirar dúvidas e fazer perguntas, como num recente apelo pela construção de uma vala de drenagem contra inundações.

E o governo aumentou o volume dos empréstimos subsidiados oferecidos aos agricultores, embora isso não vá aliviar o montante de endividamento pré-existente.

Tin Win Hlaing, por exemplo, deve o equivalente a US$ 5.000.

Questionado sobre o que primeiro lhe vem à cabeça na hora em que acorda, Tin Win Hlaing não hesitou: "Minhas dívidas".

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