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EUA e Alemanha "batalham ideias"

Merkel e Obama em choque sobre o papel dos mercados

Por NICHOLAS KULISH

BERLIM - Ao mesmo tempo em que os líderes europeus preparam sua resposta mais recente à crise do euro, ganhou destaque uma divergência entre Alemanha e EUA quanto à melhor maneira de conduzir a economia mundial de volta à saúde.

A chanceler Angela Merkel, da Alemanha, desafiou os céticos e deitou as bases para uma união que, segundo ela, corrige os erros do nascimento do euro e direciona a integração num caminho estável no longo prazo. Nesse processo, ela impôs a disciplina fiscal alemã à Europa.

Mas, ao mesmo tempo em que eram acertados os detalhes do acordo europeu, o presidente Obama emitiu seu aviso mais contundente até agora sobre a solução liderada pela Alemanha. Ele destacou que a ausência de uma reação pronta e forte às forças do mercado ameaça a sobrevivência do euro.

Está ao cerne da discussão a questão de até onde os governos precisam dobrar-se diante do poder dos mercados. Obama enxerga a manutenção da estabilidade dos mercados e da confiança dos investidores como uma meta fundamental do governo. Merkel vê o setor financeiro com profundo ceticismo e argumenta, de maneira quase moralista, que mudanças reais são impossíveis a não ser que credores e devedores paguem um preço alto pelos erros cometidos.

"É uma batalha de ideias", falou Amut Möller, especialista na União Europeia no Conselho Alemão de Relações Exteriores. "Há uma visão diferente de como montar uma economia sustentável em um mundo em processo de globalização. Há uma divergência importante."

Em nível político, Merkel poderá olhar para o 9 de dezembro e a reunião de líderes em Bruxelas e declarar: "Tivemos êxito". Merkel conseguiu fazer aprovar a fiscalização mais facilmente implementável dos gastos públicos que dará à Comissão Europeia o direito de rever orçamentos nacionais e fazer objeções àqueles que violarem os limites acordados de dívida.

A reação do mercado à reunião foi positiva, mas céticos dizem que, economicamente falando, Merkel conquistou uma vitória superficial.

"Se o novo acordo mostrar-se incapaz de fazer implementar as regras, vamos voltar à estaca zero", disse Thomas Klau, analista político e diretor do escritório de Paris do Conselho Europeu de Relações Externas.

Obama divulgou seu aviso inusitado desde o outro lado do Atlântico logo antes da vitória inesperadamente robusta de Merkel. "Há uma crise de curto prazo que precisa ser resolvida", disse ele, "para garantir que os mercados tenham confiança na possibilidade de a Europa defender o euro."

Obama tem forte orgulho de sua conquista ao impedir não apenas os Estados Unidos, mas o mundo inteiro de sofrer um derretimento financeiro agudo após 2008. Autoridades americanas dizem que, ao ignorar a ameaça de curto prazo, Merkel está sem querer propiciando a própria ameaça que elas conseguiram evitar por margem tão estreita. Governos fortes podem contrair dívidas baratas, argumentam economistas de ambas as margens do Atlântico, e têm a obrigação de intervir mais agressivamente do que fariam para compensar pela queda na demanda privada.

Os alemães se opõem com firmeza a qualquer solução que envolva um endividamento maior, mas mais ainda a políticas que poderiam propiciar a inflação, algo que é sua obsessão histórica. Os responsáveis políticos na Alemanha pediram contenção por parte do Banco Central Europeu, insistindo que ele não deve comprar títulos demais dos países fortemente endividados da zona do euro.

Para os americanos, o tempo de fazer contas será depois que tiver sido restaurada a estabilidade financeira.

É claro que Obama busca se reeleger, e autoridades alemãs se queixam reservadamente de que os resultados eleitorais são a preocupação principal do presidente americano.

Enquanto isso, os alemães parecem quase saudar a queda na confiança do mercado: sem a pressão crescente dos mercados, Silvio Berlusconi não teria renunciado ao cargo de primeiro-ministro da Itália. E, sem o incentivo do medo, a maioria dos parceiros europeus da Alemanha teria relutado mais em dar a Bruxelas a autoridade de fiscalizar seus orçamentos.

Mas a estratégia de Merkel não deixa de ser de alto risco. Um ano atrás ela errou nos cálculos quando insistiu que qualquer resgate teria que incluir contribuições do setor privado para o setor público, no socorro à Grécia. Obama ficou preocupado e enviou seu secretário do Tesouro, Timothy F. Geithner, antes da cúpula. No final, a visão de Angela Merkel derrotou a de Obama. "Merkel está dando o tom", disse Josef Joffe, publisher da revista "Die Zeit".

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