Índice geral New York Times
New York Times
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Onde o 1% rico está e que cara tem

Por SHAILA DEWAN e ROBERT GEBELOFF
Kings Point, Nova York

Meses atrás, Adam Katz era um empresário bem-sucedido, com cinco filhos, uma casa de US$ 8 milhões e uma paixão: a Air Talon, empresa de voos fretados.

Agora, a colossal disparidade entre os muito ricos e todos os demais -o 1% versus os 99%- se tornou motivo de mobilizações populares nos Estados Unidos.

"Não é muito popular estar entre o 1% hoje em dia, não é?", disse Katz.

Como parte do 1%, ele integra um clube cujo nome evoca a imagem de magnatas saindo com um chofer de mansões em Manhattan.

Mas na realidade trata-se de um grupo mais amplo e variado, que inclui podólogos e corretores de seguros, os emergentes e os ricos de berço. Eles não se concentram só em Nova York e Los Angeles, mas também em Denver e Dallas. Nesse 1% estão desde famílias que ganham US$ 380 mil por ano até bilionários como Warren Buffett e Bill Gates.

A cada ano, o 1% com maior renda recebe quase um quinto da renda total do país, e isso é quase o dobro da parcela que lhes cabia há 30 anos. Eles contribuem com pouco mais de um quarto de toda a arrecadação tributária federal, segundo o Centro de Políticas Tributárias.

Dentro dos entrevistados nesse grupo, quase todos disseram que os ricos poderiam e deveriam arcar com uma parte maior dos encargos financeiros do país.

"Não me importo em pagar um pouco mais em impostos. Não me importo em dar dinheiro para programas que ajudem os pobres", disse Anthony Bonomo, de Manhasset, Nova York, que é dono de uma empresa de seguros contra imperícias médicas.

O que ele se importa, prosseguiu, é em levar a culpa pelos males do país. "Se essas pessoas [do movimento 'Ocupe Wall Street'] podiam ficar o dia todo acampadas naquele parque, por que não procuram emprego? Por que estão colocando a culpa nos outros?"

Para muitos, a distinção entre os 99% e o 1% é artificial, pois ignora o valor do trabalho e do caráter moral. "Isso não deveria ser relevante", afirmou Katz, que disse criar empregos e contribuir com causas beneficentes. "Não estou fazendo mal a ninguém. Estou ajudando muita gente."

A maior concentração do 1% nos EUA está num plácido pedaço de Long Island que F. Scott Fitzgerald imortalizou em "O Grande Gatsby" como Ovo Ocidental e Ovo Oriental. Um trecho do noroeste do condado de Nassau, incluindo Great Neck, Manhasset e Port Washington, parece ter dado de ombros para a recessão. "Eu definitivamente a vejo ao meu redor", disse o oncologista Anu Chandok, 36. "Só que pessoalmente ela ainda não me afetou."

Entre os moradores da região, está Anthony Scaramucci, investidor ironizado por ter perguntado ao presidente Barack Obama por que tratava Wall Street "como uma pinhata". Bernard Madoff já morou aqui; muitas vítimas do seu golpe ainda moram. Mas há também pessoas cujas fortunas pouco têm a ver com Wall Street, como Susan Isaacs, autora de "best-sellers" policiais.

Os membros do 1% nesta área tendem a atribuir seu sucesso ao talento e ao esforço. As estatísticas mostram que, em comparação aos 99%, o 1% tem o triplo de probabilidade de trabalhar mais do que 50 horas semanais. Entre os mais ricos, os homens recebem 75% da renda familiar, enquanto no outro grupo levam para casa só 64% do dinheiro.

Mas os entrevistados evitaram se prolongar a respeito das vantagens advindas de fatores como raça e origem familiar. Estudos mostram que os brancos têm mais chances de ascensão social que os negros, e que o grau de escolaridade dos pais é um forte indicador de futuro sucesso.

O 1% é formado por pessoas familiares: em comparação aos demais, têm quase o dobro de chance de serem casados. Eles têm mais filhos, mas não mais carros, do que famílias de classe média e média-alta. Para eles, a educação é crucial. Uma vasta maioria do 1% tem diploma universitário, e em 27% dos casais ambos os cônjuges têm pós-graduação.

Mas muitas famílias abastadas de Nassau se consideram praticamente de classe média, alegando que os custos daqui são tão altos que com US$ 380 mil por ano não dá para ir muito longe.

Detalhe: é preciso ganhar US$ 380 mil para estar no 1% nacional, mas o mínimo para entrar no 1% de Stamford, Connecticut, é US$ 900 mil por ano. Em comparação a isso, o preço de admissão no 1% de Clarksville, Tennessee, é uma pechincha: US$ 200 mil.

A renda média no 1%, segundo o Centro de Política Tributária, é de US$ 1,5 milhão por ano, e os super-ricos -os 10% mais abastados dentro do 1%- ganharam em média US$ 6,8 milhões em 2011.

A disparidade entre ricos e pobres também é enorme. O 1% mais rico de Manhattan ganha pelo menos US$ 790 mil por ano, 12 vezes mais do que a renda média da população que mora na área.

Em patamar nacional, os médicos têm a maior chance de integrar o 1% -um quinto deles chegou lá. Mas, em Manhattan, os gestores financeiros e os banqueiros ocuparam o espaço dos médicos.

Para o advogado David Mejias, o sistema está distorcido em favor de autônomos e empresários, que podem deduzir parte dos gastos com carros, viagens e jantares. "Antes mesmo de sermos pagos, a maior parte da nossa vida já foi paga", disse ele.

Em apuros, muitos americanos concentram sua ira no fato de os ricos estarem ficando mais ricos e de a classe média ter perdido terreno na última década. Mas os integrantes do 1% lamentam o que chamam de guerra de classes. Vários mencionaram os distúrbios no Reino Unido e na Espanha; um deles disse que mantém seu avião sempre abastecido.

Isso não significa, no entanto, que eles não vejam distorções do sistema a seu favor. Um investidor admitiu que não é justo que ele pague uma alíquota tributária menor sobre a sua renda de investimentos do que pagaria se fosse assalariado. Mas, disse ele, acusar os ricos não resolve. "Se você paga US$ 50 milhões em impostos, isso é justo ou injusto? Quando um imposto é destinado especificamente para um décimo de 1% da economia, é difícil não se sentir discriminado."

Talvez lhe sirva de consolo um pequeno cartaz visto no ano passado, durante os protestos do "Ocupe Wall Street": "Nós somos os 100%", dizia.

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.