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Israelenses debatem o papel das mulheres

Rina Castelnuovo/The New York Times
Ultraortodoxos defendem políticas que limitam direitos das mulheres. O rabino Dror Moshe e seus filhos
Ultraortodoxos defendem políticas que limitam direitos das mulheres. O rabino Dror Moshe e seus filhos

Por ETHAN BRONNER e ISABEL KERSHNER

JERUSALÉM - Os israelenses estão descobrindo que uma questão a qual deixaram de dar atenção -os judeus ultraortodoxos- explodiu em uma crise. E essa crise tem como epicentro as mulheres.

"Do mesmo modo como o nacionalismo secular e o socialismo trouxeram desafios para o establishment religioso um século atrás, hoje a questão em pauta é o feminismo", disse Moshe Halbertal, professor de filosofia judaica na Universidade Hebraica. "Trata-se de um desafio ideológico e moral imenso, que mexe com o cerne da vida, e, do mesmo modo como vem afetando o mundo islâmico, é a principal questão que está roubando o sono dos rabinos."

A lista de controvérsias se alonga a cada semana que passa. Os organizadores de uma conferência sobre saúde feminina e direito judaico proibiram mulheres de falarem no pódio; homens ultraortodoxos cuspiram sobre uma menina de 8 anos que julgaram não estar vestida com modéstia; o rabino chefe da Força Aérea renunciou a seu cargo porque o Exército se negou a autorizar soldados ultraortodoxos a faltar a eventos em que cantoras se apresentam; manifestantes caracterizaram o comandante de polícia de Jerusalém como Hitler em pôsteres, porque ele instruiu ônibus públicos em que homens e mulheres se sentam juntos a dirigir por bairros ultraortodoxos sem paradas.

Cada lado no combate trava uma campanha pública vigorosa. O Fundo Nova Israel, que faz campanha pela igualdade, organizou concertos em Jerusalém e espalhou cartazes de rostos de mulheres com o slogan "as mulheres devem ser vistas e ouvidas".

Autoridades religiosas disseram que grupos liberais estão travando uma guerra de ódio contra um setor piedoso que quer apenas ser deixado em paz.

Esse setor é o dos ultraortodoxos, trajados de preto, conhecidos em Israel como os haredim -aqueles que tremem diante de Deus. Ele abrange grupos diferentes: os hassídicos, de origem europeia, e os haredim originários de países do Oriente Médio.

Os ultraortodoxos são ambivalentes sobre o Estado israelense, que consideram pouco religioso e cuja fundação acham que foi prematura, já que o Messias ainda não chegou. Muitos acreditam que o Estado não vai sobreviver.

O sentimento é mútuo. Os haredim da Europa foram dizimados no Holocausto, e, quando o primeiro-ministro fundador de Israel, David Ben-Gurion, ofereceu subsídios e isenções do serviço militar aos poucos haredim que havia em Israel na época, pensou que lhes estava garantindo um funeral com dignidade. "Na época, a maioria dos israelenses imaginava que os haredim acabariam em uma geração", disse Jonathan Rosenblum, um escritor haredi.

Ao invés disso, eles se multiplicaram, participaram de coalizões governistas e conquistaram isenções para filhos, moradia e o estudo da Torá. Hoje eles somam 1 milhão de pessoas, uma comunidade predominantemente pobre em um país de 7,8 milhões de habitantes.

"Hoje não há uma única cidade que não tenha uma comunidade haredi", disse o rabino haredi Abraham Israel Gellis.

Politicamente falando, os haredim vêm pendendo mais à direita nos últimos anos. Ao mesmo tempo em que rejeitam o Estado, os ultraortodoxos sobrevivem fazendo acordos com ele. E os governos, enquanto fazem pouco caso dos haredim, sobrevivem com a troca de subsídios pelos votos deles.

Agora "a coexistência entre o governo e os haredim está desmoronando", disse Arye Carmon, presidente da organização de pesquisas Instituto Israel Democracia, de Jerusalém. "Encontra-se em perigo extremo." Carmon comparou os judeus rigidamente religiosos de Israel aos islâmicos no mundo árabe.

Para os haredim, o estudo da Torá está acima de todos os outros valores, e eles se esforçaram para tornar possível que os homens estudem a Torá no lugar de trabalhar. Enquanto as mulheres muitas vezes trabalham, o desemprego chega a 60% entre os homens.

Para muitos israelenses, especialmente os que passam por insegurança econômica, o fato de os haredim aceitarem subsídios governamentais, recusarem-se a prestar serviço militar e a trabalhar, ao mesmo tempo em que têm seis a oito filhos por família, é profundamente incômodo.

Shelly Yacimovich, deputada e líder do Partido Trabalhista, disse que o problema dos haredim "pode explodir". "Por isso essa questão precisa ser tratada com sabedoria. Os haredim precisam ser ajudados a ingressar na sociedade moderna através do trabalho."

Embora mais haredim venham conseguindo empregos e alguns tenham ingressado no Exército, muitos sentem-se ameaçados pela integração na sociedade maior.

Dan Bem-David, diretor do Centro Taub de Estudos de Política Social em Israel, disse que os judeus muito religiosos são o único grupo em Israel cujos membros têm mais filhos hoje que há 30 anos. "Dentro de 20 anos existe o risco de termos aqui uma população de terceiro mundo, que não poderá sustentar uma economia e um Exército de primeiro mundo", opinou. E, acrescentou, que o conteúdo que as crianças aprendem nas escolas ultraortodoxas não as prepara para o século 21.

O rabino Dror Moshe Cassouto, 33, que vive em Jerusalém, acredita que homens e mulheres têm papeis que foram invertidos na sociedade moderna. Indagado sobre os problemas recentes, Cassouto disse: "Um tolo atira uma pedra em um poço e mil sábios não conseguem retirá-la."

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