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Inteligência/Roger Cohen

A revolução está nas mentes

Árabes estão cansados do álibi israelense

Londres

Um incidente muito feio na Tunísia ilustra como foi importante e revolucionária a Primavera Árabe. E, sim, eu insisto que Primavera Árabe é o termo adequado e que testemunhamos revoluções, fossem quais fossem as atribulações do ano passado no Egito, na Líbia e na Tunísia.

Em Túnis este mês, o líder do Hamas, primeiro-ministro Ismail Haniya de Gaza, chegou para uma visita oficial de cinco dias e foi recebido no aeroporto por militantes do principal partido no governo, Ennahda, que entoavam "Matem os judeus" e "Expulsem os judeus".

Imagens da cena foram publicadas no Facebook, causando comoção. Inúmeros tunisianos postaram uma mensagem dizendo "Eu me sinto mais próximo de um judeu tunisiano do que de um salafista mal barbeado". Uma petição foi iniciada condenando esses "atos escandalosos" e pedindo que o presidente da Tunísia, Moncef Marzouki, um ex-ativista pelos direitos humanos, assumisse uma posição.

Enquanto a polêmica crescia, Rachid al Ghannouchi, líder da Ennahda e um homem que insiste que os islâmicos aprenderam lições de moderação, emitiu um pronunciamento dizendo que seu partido "condena esses slogans, que não representam o espírito ou os ensinamentos do islamismo". Ele disse que os judeus da Tunísia -não são muitos- são "cidadãos plenos, com direitos e deveres iguais".

Ghannouchi também chamou o presidente da comunidade judia da Tunísia, Roger J. Bismuth, para se desculpar. Bismuth foi recebido por Hamadi Jebali, o primeiro-ministro tunisiano, um islâmico que já foi exilado como Ghannouchi. Ele manifestou seu lamento. Apesar disso, Haniya realizou um comício em Túnis, em que os seguidores pisotearam a bandeira israelense.

A tudo isso -incluindo a parte feia- eu ofereço um brinde. O vil antissemitismo é crescente no mundo árabe, alimentado com ressentimento, cultivado na ignorância, promovido pela mídia oficial e redobrado pelos sofrimentos dos palestinos. Por muito tempo ele fermentou nas sociedades árabes reprimidas, sem um debate. Assim, quando ele vem à superfície é vigorosamente discutido no Facebook, e isso é bom, possivelmente um primeiro passo para demonstrar que o ódio aos judeus realmente não "representa o espírito do islã".

Os árabes estão aprendendo uma lição essencial das sociedades abertas: como discordar entre si. A revolução, a mais importante, está em suas mentes. A mente cativa, para usar a frase de Czeslaw Milosz, está sendo substituída pela mente capaz. A mudança é irreversível.

Os árabes estão cansados de ser intimidados. Estão cansados do álibi israelense, com frequência usado pelos ditadores agora depostos para distrair a atenção da injustiça doméstica. Haniya não teria recebido permissão para visitar a Tunísia sob a antiga autocracia do país e não teriam ocorrido as cenas horríveis. Mas a Tunísia, apesar de toda a calma na superfície, era um lugar muito pior sob o presidente Zine el Abidine Ben Ali.

No Egito o debate foi liberado de maneira semelhante, sobretudo em torno da questão dos direitos das mulheres. A corajosa campanha de Samira Ibrahim contra o Exército e os oficiais que a submeteram a um "teste de virgindade" depois que ela foi detida nos protestos de rua levantou a questão explosiva do abuso contra as mulheres e acendeu um debate. Um tribunal determinou que os militares violaram os direitos das manifestantes.

Durante o teste, em uma prisão militar, um homem submeteu Ibrahim nua a um exame, diante de soldados que zombavam, antes de afirmar que ela era virgem e pedir que assinasse uma declaração nesse sentido.

Khaled Fahmy, um professor de história na Universidade Americana do Cairo, escreveu que o processo legal de Ibrahim é "o avanço mais importante referente aos direitos das mulheres e o mais importante ato de rebelião de 2011, um ano em que não faltaram atos de coragem e rebelião".

É verdade. Como o antissemitismo nas sociedades árabes, a humilhação e subjugação das mulheres geralmente foram tratadas com silêncio. O caso da "garota do sutiã azul" -a mulher anônima registrada em vídeo enquanto era espancada e despida por soldados na praça Tahrir- serviu para quebrar tabus, como o caso Ibrahim está reforçando. As mulheres, que tiveram um papel importante na derrubada de Hosni Mubarak, emergiram das sombras.

De um lado, as rebeliões abriram caminho para partidos islâmicos na Tunísia e no Egito. De outro, hoje há debates acirrados sobre questões sociais e como reconciliar a fé com a modernidade. A tensão entre essas tendências se manifestará durante muitos anos. Mas eu desconfio que a Turquia, país marcado por tensões entre os militares de modelo secular e as forças políticas enraizadas no islamismo, oferece um modelo útil. Ela provou ser um país muçulmano onde mais democracia e mais religião não são incompatíveis.

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