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Análise

Ecos da revolução percorrem a Rússia

Reação dos jovens hoje ecoa a queda comunista

Por SCOTT SHANE

MOSCOU - A pedra memorial continua lá, em frente à antiga sede da KGB, o belo edifício onde na década de 1930 milhares de pessoas foram mortas a tiros no porão.

"À memória dos milhões de vítimas do regime totalitário", diz a inscrição.

Eu era um repórter na multidão em uma tarde fria de outubro de 1990 na inauguração do granito cinza trazido do berço do sistema de campos de prisioneiros soviéticos no mar Branco.

Havia uma sensação de vitória. Por quanto tempo a polícia secreta continuaria operando dentro da Lubyanka, como é conhecido o temido quartel-general, agora que uma lembrança tão veemente de seus crimes se ergue nesse pequeno parque?

Afinal foram 21 anos, pelo menos. Um amigo russo, Andrei Mironov, um defensor dos direitos humanos e um dos últimos prisioneiros políticos da era soviética, recentemente se posicionou diante do memorial e disse que havia esperado que hoje a Lubyanka estivesse há muito tempo transformada em um museu dedicado aos crimes da polícia secreta. Muita coisa mudou em Moscou. Mas a estrutura subterrânea de poder continuou amplamente intacta.

Hoje, para surpresa de muitos russos, a mudança política está no ar de novo. Duas grandes demonstrações não violentas contra a fraude nas eleições e pela democracia de repente desafiaram o regime autoritário de Vladimir Putin, um homem de carreira na KGB. Outro protesto está marcado para 4 de fevereiro, apenas um mês antes de Putin disputar, para decepção dos manifestantes, um novo mandato de seis anos como presidente. A revolução não violenta e inacabada que pôs fim ao comunismo, dando lugar a uma década caótica e decepcionante nos anos 90, e depois estagnando sob Putin, parece estar retomando seu rumo imprevisível.

Para qualquer pessoa que cobriu o colapso em câmera lenta do comunismo aqui, este momento parece familiar. Então, quando a experiência de Mikhail Gorbachev de modernizar o sistema soviético começou a sair do controle, as autoridades de segurança estavam profundamente indecisas sobre como reagir à proliferação de manifestações populares.

Às vezes, a polícia repelia a multidão com seus cassetetes e levava as pessoas embora. Às vezes, se colocava cautelosamente perto, com seus equipamentos de controle de distúrbios, mas não interferia, como no dia em que o memorial do gulag foi erguido. Raramente, em geral nas repúblicas não russas, ela reagia com força bruta, atirando contra os manifestantes em um teste deliberado do efeito dissuasivo do derramamento de sangue. O teste falhou; as repúblicas seguiram caminhos separados e o sistema foi derrubado.

Mas ele não se despedaçou na queda. E na Rússia Putin, a partir de 1999, conseguiu conquistar um grande apoio com um novo contrato social: vou colocar o gênio da liberdade somente em parte de volta na garrafa. Em troca lhes darei estabilidade e crescente prosperidade. Os preços do petróleo cooperaram e a fórmula funcionou durante mais de uma década.

Hoje, parece que Putin exagerou, assumindo que poderia conseguir mais um mandato presidencial ou dois.

Mas o crescimento da internet, que hoje atende a mais de 60 milhões dos 140 milhões de habitantes da Rússia, começou a minar o esquema. O anúncio em setembro de que o primeiro-ministro Putin e seu amigo, o presidente Dmitri Medvedev, continuariam no poder indefinidamente provocou uma onda de críticas, especialmente da população urbana instruída, mais beneficiada pelo crescimento econômico.

Um dos prazeres da Rússia no momento é o novo florescimento da sátira política, muitas vezes tremendamente engraçada -um eco de um movimento semelhante nos últimos anos do poder soviético. Hoje o YouTube está cheio de piadas sobre Putin, incluindo uma mistura da política russa com o filme Titanic, com Putin e Medvedev como os amantes malfadados -e a Rússia no papel do navio que naufraga.

Leon Aron, autor de um livro no prelo sobre o que ele chama de "revolução russa" de 1987-91, passou o último verão entrevistando jovens defensores da democracia em todo o país e ficou impressionado com as repercussões. Mas ele distingue a "Rússia da televisão" -a geração mais velha que viveu a queda do comunismo- da "Rússia da internet", as pessoas de 25 a 35 anos que são os principais organizadores das recentes manifestações, através do Facebook.

"Essas pessoas não se comparam com seus pais", que foram gratos a Putin por oferecer um alívio do caos, da inflação e da criminalidade dos anos 1990, disse Aron, hoje no Instituto de Empresas Americanas em Washington. "Elas se comparam com seus pares na Europa."

Muitos russos acreditam ter superado o paternalismo de Putin e, por isso, mereceriam uma cultura política realmente competitiva, adequada a um país próspero e civilizado.

Chegar lá certamente será uma luta. O que parece certo hoje é que o relógio da história está correndo para a "democracia administrada" de Vladimir Putin, como fez antes para a ordem comunista de Vladimir Lênin. A Lubyanka poderá acabar sendo apenas um museu, afinal.

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