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Rappers encontram voz própria na nova Líbia

Por LIAM STACK

TRÍPOLI, Líbia - Uma pequena multidão de meninos se reuniu diante da porta aberta de um galpão de concreto convertido em estúdio de gravação para observar um trio de rappers líbios, de casacos folgados e bonés de beisebol pretos, mixando faixas numa grande tela de computador.

Os rappers trabalhavam tomada após tomada de um anúncio para uma emissora de TV local, exortando os combatentes rebeldes líbios a deporem suas armas -coisa que não fizeram até hoje, cinco meses após a derrubada do ditador Muammar Gaddafi.

"Não disparem tiros para o ar; nossas vidas valem mais do que custam as balas", dizia Siraj Kamal Jerafa, 28 anos. No final da noite, ele saiu sorrindo para a multidão de garotos admiradores que o saudavam emocionados com gestos de "high-five".

Jerafa, que se apresenta sob o pseudônimo artístico Lantern, faz parte do GAB Crew, um grupo líbio de hip-hop cujos integrantes estão aproveitando a nova onda de liberdade de expressão no país desde a queda de Gaddafi.

Durante décadas, os líbios viveram à sombra da revolução que conduziu Gaddafi ao poder, anos atrás. Hoje, o governo de Gaddafi é coisa do passado.

Para muitos líbios, a nova liberdade de dizer o que pensam é ao mesmo tempo bem-vinda e desorientadora. "Somos livres, mas não sabemos viver como um povo livre", disse o estudante de economia Kareem Sager, 23.

O novo ambiente político oferece liberdade criativa virtualmente irrestrita a artistas como Jerafa, que finalmente pode tentar criar músicas com mensagens.

"Antes da revolução, a música era apenas uma maneira de passar o tempo, porque não tínhamos liberdade de expressão", ele explicou. "Se você falasse de política ou transpusesse qualquer das barreiras impostas pelo governo, colocavam você atrás das grades. Você estaria morto."

Jerafa contou que seu grupo cantava principalmente em inglês "para fugir do radar do governo". As canções tratavam quase exclusivamente de garotas.

Nos últimos meses, o trio gravou várias canções políticas, algumas delas criticando Gaddafi e outras dedicadas à memória dos que morreram no levante contra o governo do ditador.

Outras canções exortam cada líbio a depor suas armas e trabalhar pelo bem do país.

O grupo gravou em março sua primeira canção contra o regime deGaddafi, "Libya Bleeds. Just Like Us". A canção cita em tom irônico os discursos contra os rebeldes que Gaddafi fazia na televisão e o refrão é pontuado por disparos.

"Quando estávamos criando a canção, eu pensei apenas 'vou compor esta canção e então, seja o que Deus quiser -estarei pronto para morrer", contou um dos membros da banda, Hamad Araby. "Era suicídio, cara."

A canção vazou on-line em maio, meses antes da queda de Trípoli. Horrorizados, os membros do grupo mergulharam na clandestinidade.

Eles só voltaram a se ver quando as forças rebeldes tomaram a capital, em agosto passado. Para festejar a queda de Gaddafi, decidiram filmar seu primeiro vídeo musical dentro de Bab al Aziziya, o complexo residencial fortificado do antigo ditador.

Chamaram combatentes rebeldes para serem os figurantes, fazendo poses sobre picapes equipadas com canhões antiaéreos. Os músicos disseram que, enquanto filmavam no complexo, pensavam em quanto sofrimento Gaddafi e seu regime tinham imposto a eles, suas famílias e seu país.

"Da mesma maneira como ele entrava em minha casa, eu entrei na casa dele e o estava criticando", disse Jerafa. "Ele não teve coragem de entrar em minha casa pessoalmente, mas eu mesmo fui à casa dele."

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