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Retrato do maior trauma do México

Por ELISABETH MALKIN

CIDADE DO MÉXICO - Quando Laura, a personagem central do novo filme mexicano "Miss Bala", cai sob o controle de uma quadrilha de traficantes, mergulhamos em crescente pavor. O clima começa no momento em que Laura dobra seu corpo alto e esguio para tentar esconder-se no banheiro de uma discoteca barata de Tijuana, enquanto pistoleiros se esgueiram para dentro para invadir a pista de dança. Vemos o medo estampado no rosto de um soldado trêmulo, que aguarda o ataque da quadrilha, e no pavor mudo de Laura quando o chefe do tráfico prende pacotes de dinheiro vivo à cintura dela.

O clima de mau pressentimento do filme é um reflexo do estado de espírito do país, no momento em que o México entra no sexto ano da guerra travada pelo governo contra o narcotráfico. De acordo com estimativas oficiais, os mortos somam 50 mil desde 2006, e os homicídios se acumulam incessantemente.

O que alimenta o desespero ainda mais que a violência diária é a desconfiança de que ninguém no governo possui a capacidade, a vontade ou a integridade necessárias para derrotar os bandidos e a corrupção que os alimenta. O medo de que qualquer pessoa possa virar vítima é o fio condutor de "Miss Bala".

"Não existe escapatória", disse o diretor e corroteirista Gerardo Naranjo, 40, que quis fazer um filme não sobre os "narcos", mas sobre suas vítimas.

Abusada e amedrontada, Laura (Stephanie Sigman) suporta o que lhe é imposto. "Nossa sociedade vem agindo assim", disse Naranjo. "As pessoas estão passivas. Não sabemos como reagir à violência."

Inspirado pela prisão, três anos atrás, de uma vencedora de concurso de beleza mexicana com seu namorado traficante (a miss foi libertada posteriormente), "Miss Bala" foi exibido nos festivais de cinema de Cannes, Toronto e Nova York. É o candidato mexicano ao Oscar de filme em língua estrangeira, foi lançado em todo o mundo no outono americano de 2011 e será exibido na França, Dinamarca, Noruega e Alemanha este ano.

Os comentaristas vêm reagindo com entusiasmo. "Em um momento em que o sangue jorra dos jornais, 'Miss Bala' trata de algo que não costuma ser explorado: a vida secreta do pânico, o modo como o crime invade o cotidiano e corrói mentalmente as pessoas", escreveu o romancista Juan Villoro.

Até agora, porém, a maioria dos cineastas mexicanos parece relutar em tratar diretamente da guerra às drogas. Além do medo de uma reação violenta dos cartéis, uma razão disso pode ser que o fato de que o primeiro filme sobre esta tragédia mexicana -"El Infierno", de Luis Estrada, lançado em 2010- foi tão destemido no olhar sobre o problema que os diretores mais jovens podem hesitar em tratar do mesmo assunto, tentando evitar comparações, opinou o roteirista e crítico de cinema Rafael Aviña.

Sátira cáustica, "El Infierno" foi um sucesso de crítica e de bilheteria, expondo um dos traficantes mais memoráveis em anos no cinema, El Cochiloco (Joaquín Cosío), um psicopata musculoso dotado de senso de humor espalhafatoso.

Estrada, 49, converte sangue derramado em humor, mas muda de tom nas cenas de tortura. E o final contém o aviso sombrio do diretor.

"A geração passada enxergou a corrupção e a impunidade como algo normal. Hoje há uma geração que enxerga a violência como normal", disse ele.

Alguns poucos documentaristas começaram a tratar do tema de modo indireto. Natalia Almada passou um ano no cemitério de Jardines del Humaya, em Culiacán, no coração da região mexicana do narcotráfico, onde as famílias de traficantes mortos em serviço erguem mausoléus com ar condicionado em homenagem a seus homens tombados. O filme resultante, "El Velador" (O Guarda Noturno), é uma meditação sobre as consequências da violência, criada sem mostrar violência de fato. A história gira em torno de Martín, o guarda noturno do cemitério. Os dias se repetem, enquanto a câmera se demora sobre os sapatos de um pedreiro ou sobre um ambulante que descasca manga para uma menina em um enterro.

Em "Reportero" (Repórter), o documentarista Bernardo Ruiz, nascido no México e radicado em Nova York, acompanha o trabalho de um repórter do jornal "Zeta", de Tijuana, que faz uma cobertura corajosa da guerra às drogas. "O filme é sobre a constante ameaça da violência a partir do momento em que você extrapola determinados acordos não verbalizados", disse ele.

Naranjo, por sua vez, pesquisou com cuidado documental, reunindo-se com traficantes. "Eu quis saber realmente como eles se comunicam, como se vestem, como falam, como dirigem", explicou. Laura é joguete do chefe do tráfico. O espectador fica perturbado porque vê e ouve apenas fragmentos do que Laura vê e ouve. É o mesmo modo como ele recebe as notícias sobre a guerra às drogas. "Não quisemos que o espectador enxergasse o mal", explicou o diretor. "Quisemos que ele o imaginasse, porque na psique mexicana as coisas terríveis já fazem parte do nosso disco rígido."

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