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Tendências Mundiais - Inteligência/Roger Cohen

Na Europa, uma força de estabilidade

Vilna, Lituânia

Vista de sua borda oriental, a União Europeia ainda importa. Isso quer dizer que importa em seu sentido original: como uma força a favor da paz, da estabilidade e do progresso em terras devastadas, frágeis para resistir ao turbilhão por conta própria.

Durante toda a longa luta da Polônia por liberdade, eu lembro de Adam Michnik, o dissidente muitas vezes preso por suas opiniões sobre o regime comunista, dizendo que tudo o que ele queria para seu país era "normalidade". Não glórias, nem utopia ou mesmo grandiosidade, mas a normalidade permitida pela afiliação às mais eficazes instituições ocidentais do pós-guerra: a União Europeia e a Otan.

Michnik queria apenas garantir que nunca mais haveria uma batida em sua porta -ou na de qualquer pessoa- de agentes da segurança no meio da noite.

Na Lituânia, um país báltico varrido do mapa sob o império soviético, a história do século 20 é tão sangrenta e contestada que sem a espinha dorsal das instituições ocidentais sua própria sobrevivência estaria sempre aberta a questionamento. A Rússia paira sobre ela e dos dois lados, um grande parceiro comercial mas também um adversário político com o qual as contas do passado não foram acertadas.

A Rússia se recusou a pedir desculpas por uma longa ocupação que viu a morte de dezenas de milhares de lituanos. As relações entre o governo e as minorias polonesa e russa são tensas.

Com outra minoria, os cerca de 5 mil judeus sobreviventes, o governo fez esforços de conciliação, mas as tensões sobre o papel dos lituanos ao aprovar a chacina dos judeus pelos nazistas entre 1941 e 1944 não foram resolvidas. Mais de 90% dos judeus foram eliminados; a história da chacina nunca chegou aos livros soviéticos.

Nesse frágil contexto, a União Europeia fornece a garantia de que as diferenças serão acertadas em um ambiente democrático; e a Otan é importante não por suas distantes missões na Líbia ou no Afeganistão (nas quais a Lituânia é um pequeno participante), mas por garantir, sob o Artigo 5°, que a Rússia será mantida à distância porque um ataque a qualquer membro da aliança significa um ataque a todos.

Essas garantias são a melhor chance de normalidade na Lituânia. Vale a pena lembrar isso porque a Europa hoje em dia só fala em arrochos de liquidez e facilidades especiais, socorros, financiamentos de emergência e austeridade, tanto que é difícil lembrar que o euro foi um projeto concebido como o auge de décadas de integração no pós-guerra.

Nesse sentido político, a moeda está funcionando. Sua crise revigora o relacionamento franco-germânico no centro da UE. Ela obrigou a um novo pacto fiscal destinado a harmonizar as decisões orçamentárias e limitar os deficits. Provocou novas conversas para o aprofundamento da União que não será detida por "caronistas" como o Reino Unido. Ela acendeu o velho idealismo.

Acima de tudo, as dificuldades do euro obrigaram os líderes a fazer uma avaliação. A Europa estava à deriva.

As forças motoras da integração -temores sobre guerra, comunismo ou um novo surto de nacionalismo alemão- haviam evaporado. As memórias compartilhadas por Helmut Kohl e François Mitterrand sobre as convulsões suicidas da Europa haviam se atenuado. A Alemanha, bem antes da crise, tinha perdido sua identificação apaixonada com uma união que ajudou a livrá-la da vergonha do pós-guerra.

Os europeus viram a diminuição do significado da união que criaram. Eles não mais pensavam, como os lituanos ainda fazem, em termos de guerra e paz.

Mas, levados ao extremo, vista a fragilidade de seu milagre sem fronteiras, a Europa reagiu. É cedo demais para falar sobre a crise no pretérito.

Erros repetidos agravaram os problemas. Mas a chanceler Angela Merkel conseguiu levantar o olhar dos alemães de seus umbigos apenas o suficiente para que eles fizessem o que era necessário para a sobrevivência do euro.

O presidente Nicolas Sarkozy trabalhou incansavelmente para incentivar a flexibilidade alemã. Mario Draghi, o novo diretor do Banco Central Europeu, esteve silenciosamente inundando o mercado com euros, baixando as taxas de juros sobre os títulos italianos e espanhóis. A Grécia está sob uma nova tutela que não pronuncia seu nome.

Essas são conquistas nada românticas, muitas vezes sem agradecimentos. Mas a União Europeia começou com uma fusão das indústrias de aço francesa e alemã nos anos 1950, um empreendimento prático que se tornou a plataforma para uma Europa integrada e livre.

Da mesma maneira, salvar o euro também salva a nova normalidade dos países bálticos, ainda habitados pelo espectro da guerra. Os europeus deveriam se lembrar disso, e se orgulhar.

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