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Combatendo o discurso sobre poluição na China

POR SHARON LAFRANIERE

Autoridades de Pequim optam por enxergar céu azul

PEQUIM - Em maio passado, fartos de esperar que as autoridade alertassem os residentes de Pequim sobre o poluente atmosférico mais nocivo na cidade, ativistas cidadãos decidiram agir por conta própria: compraram por US$ 4.000 um monitor de qualidade do ar e passaram a postar na internet as leituras diárias do aparelho.

A iniciativa desencadeou uma reação em cadeia. Voluntários em Xangai e Guangzhou compraram seus próprios monitores em dezembro, e seu exemplo foi seguido por cidadãos de Wenzhou.

As autoridades declaram há anos que a qualidade do ar na China vem melhorando. Afirma-se, por exemplo, que Pequim teria tido o número recorde de 274 dias de "céu azul" em 2011 -uma estatística desmentida pela nuvem de poluição que sufocou a cidade por boa parte do ano.

Mas, diante de uma onda crescente de críticas, liderada pela internet, a propaganda ambiental oficial vem desmoronando.

Recentemente o governo mudou de rumo e começou a monitorar a presença do elemento mais nocivo da poluição atmosférica urbana: os particulados (ou partículas) com diâmetro de até 2,5 micrômetros, ou PM 2,5. O governo decretou que 30 cidades começarão a monitorar as partículas neste ano, e outras 80 no próximo ano.

Depois de passar anos ocultando os dados sobre esse tipo de poluente, no fim de janeiro Pequim começou a divulgar leituras de hora em hora de uma estação de monitoramento.

Ma Jun, diretor do grupo sem fins lucrativos Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais, de Pequim, atribui os avanços ao público. "O povo falou tão alto que fez sua voz ser ouvida", disse ele.

As partículas finas, provocadas por poeira ou emissões de veículos, combustão de carvão, fábricas e obras de construção, estão entre as mais perigosas, porque penetram nos pulmões e no fluxo sanguíneo, elevando o risco de doenças cardiovasculares e respiratórias e de câncer do pulmão.

Hoje, a China tem centenas de milhares de mortes de bebês prematuros que estão ligadas à poluição. Nove entre 13 de suas cidades mais importantes não conseguem, durante mais da metade do tempo, atender à meta inicial média estipulada pela Organização Mundial de Saúde para os países em desenvolvimento. Wang Yuesi, o cientista chefe de poluição atmosférica no Instituto de Física Atmosférica da Academia Chinesa de Ciências, estimou que Pequim precisará de 20 anos para alcançar essa meta.

Na realidade, Wang disse que as concentrações de PM 2,5 em Pequim vêm subindo entre 3% e 4% ao ano desde 1998. Ele disse ainda que os particulados absorvem a luz, fato que explica porque Pequim tão frequentemente está envolta em uma névoa suficientemente espessa para obscurecer até mesmo edifícios próximos.

As escolas internacionais presentes na capital vêm cobrindo seus campos e quadras esportivos, porque a poluição frequentemente impede os estudantes de saírem para o ar livre.

As estatísticas chinesas indicam que a qualidade do ar urbano vem melhorando nos últimos dez anos, à medida que as cidades vêm transferindo fábricas de lugar, reduzindo a queima de carvão e adotando padrões mais rígidos para as emissões de veículos. Mas a confiabilidade dessas estatísticas é outra questão inteiramente.

O consultor ambiental Steven Q. Andrews, que vive em Pequim, afirma que o governo manipulou os dados e critérios de modo a criar mais dias de "céu azul".

O Banco Mundial avaliou em 400 mil as mortes ligadas à poluição atmosférica na China, mas, sob pressão do governo, omitiu essas cifras de um relatório de 2007.

Zhong Nanshan, especialista respiratório na Academia Chinesa de Engenharia, disse ao "China Daily" que os particulados PM 2,5 podem tomar o lugar do tabagismo como maior causa de câncer do pulmão na China. Especialistas em saúde em Pequim disseram que, enquanto os índices de tabagismo não subiram, o índice de câncer do pulmão na cidade subiu 60% nos últimos dez anos, em decorrência da poluição.

Alguns cidadãos chineses ignoram o problema. Numa tarde em que a névoa se estendia sobre Pequim, a mãe de uma criança de seis anos que aguardava tratamento para a tosse crônica de seu filho disse: "Acho que faz bem para a criança ser exposta a essas condições inóspitas. Isso vai aumentar sua resistência."

Mia Li contribuiu com pesquisa

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