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Males econômicos abalam revolução

POR DAVID D. KIRKPATRICK E MAYY EL SHEIKH

CAIRO - Após um ano de intermináveis turbulências e sob um regime militar, o Egito enfrenta uma crise financeira que pode minar a sua transição política e representar um desafio crucial para o grupo islâmico que está ascendendo ao poder.

O Egito está cada vez mais endividado, com um crescimento econômico pífio e reservas internacionais minguantes. Isso obriga a junta militar e o novo Parlamento, comandado por políticos islâmicos, a fazerem escolhas difíceis, começando por uma nova e inevitável desvalorização da libra egípcia, o que pode levar a uma disparada do custo de vida.

Em breve, o governo também deve ser obrigado a rever o vasto sistema de subsídios energéticos que responde por um quinto dos seus gastos. Aumentos nos preços dos alimentos e reduções de subsídios já provocaram distúrbios no passado.

Em um sinal da gravidade da crise, a junta militar no mês passado recuou da sua posição anterior e reabriu negociações com o FMI a respeito de um empréstimo de US$ 3,2 bilhões. Os generais antes apontavam esse acordo como uma afronta à soberania nacional, mas autoridades agora dizem que podem buscar um empréstimo ainda maior.

Além do mais, a Irmandade Muçulmana, grupo islâmico que passou muito tempo proscrito e agora controla metade das cadeiras no novo Parlamento, já sinalizou, em uma reunião em separado com representantes do fundo, que está aberta à ajuda do FMI -um recuo ainda mais chocante em se tratando de uma organização que passou oito décadas denunciando o colonialismo ocidental e a dependência árabe.

Outros observam que as frustrações que alimentaram os protestos contra o ditador Hosni Mubarak, há um ano, agora se tornaram mais agudas.

Em nenhum lugar as dificuldades econômicas são mais visíveis do que no ramo dos casamentos. Trata-se de um caro ritual de passagem para os egípcios, num negócio que gera um faturamento que rivaliza com a ajuda financeira anual dos EUA ao país.

Num bairro do Cairo, organizadores de cerimônias dizem que casais revisaram eventos que custariam US$ 300 antes da revolução, pois agora eles só podem pagar cerca de US$ 100.

Joalherias disseram que o valor médio gasto por noivos nos tradicionais presentes de ouro para as noivas despencou, e DJs afirmam que agora só tocam em dois ou três casamentos por mês, enquanto antes da revolução eram chamados para até dez festas.

"Ninguém está se casando depois da revolução", disse Amr el Khodari, 37, que se viu obrigado a fechar sua locadora especializada em veículos para cortejos nupciais. As razões para o drama egípcio vêm se acumulando há um ano: o corte praticamente total nos investimentos estrangeiros, um declínio de 30% na chegada de turistas e a estagnação do crescimento econômico. A taxa oficial de desemprego é de 12%, mas entre os jovens a cifra chega a pelo menos o dobro disso.

A inflação alcançou os dois dígitos; o governo gasta cerca de US$ 2 bilhões por mês numa inglória batalha para segurar a libra; por isso, suas reservas cambiais despencaram de cerca de US$ 36 bilhões antes da revolta para US$ 10 bilhões. A junta militar tenta sustentar os crescentes deficits públicos contraindo dívidas internas, ao passo que as empresas sofrem para obter empréstimos.

Há temores de uma disparada inflacionária. "Ninguém coloca dinheiro no banco, porque as pessoas têm medo que ele não valha nada depois", disse o mecânico Shaaban Hamdi, 40.

A solução defendida por muitos economistas -reverter as políticas que fazem o Egito gastar mais de US$ 15 bilhões por ano em subsídios energéticos- parece politicamente impossível. Trata-se de um sistema que beneficia quem dirige utilitários esportivos e vive em mansões com ar-condicionado. Mas a maioria dos egípcios preza os subsídios como um direito inato.

Ainda assim, muitos economistas observam que o governo recentemente anunciou planos para cortar quase US$ 4 bilhões de um deficit que supera os US$ 30 bilhões, ou mais de 10% do PIB. Começaram a ser restringidos, entre outras coisas, os subsídios energéticos a indústrias pesadas, talvez como preparação para mudanças que o FMI possa exigir.

Além disso, Ahmed Galal, diretor do Fórum de Pesquisas Econômicas do Cairo, disse que os economistas estão otimistas com as políticas da Irmandade Muçulmana. O grupo já deixou claro que apoia o livre mercado e fala em rever os subsídios.

"Eles estão realmente cantando canções bastante moderadas, bastante cívicas, bastante inclusivas, e estão olhando para países como a Turquia, e não como o Irã ou o Afeganistão."

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