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Extremismo na Tunísia preocupa

Nova democracia contrapõe religiosos à elite urbana

Por ANTHONY SHADID

TÚNIS - Os insultos foram furiosos. "Infiel!" e "apóstata!", gritavam os manifestantes religiosos para os dois homens que haviam ido ao tribunal apoiar um diretor de TV julgado por blasfêmia. Houve socos e uma cabeçada.

Para a Tunísia - vista como modelo revolucionário por parte do mundo árabe -, foi uma cena crucial no que alguns apontam como uma crescente disputa pela alma nacional. "Estamos abrindo mão do nosso direito de pensar e falar de forma diferente", disse Hamadi Redissi, um dos dois homens atacados no mês passado.

Os desafios da revolução tunisiana, iniciada há pouco mais de um ano, são imensos - endireitar a economia, redigir uma Constituição e recuperar o país de décadas de uma ditadura. Mas, nos primeiros meses de um governo de coalizão comandado pelo partido Ennahda, visto como um dos mais pragmáticos movimentos islâmicos da região, o protagonismo foi da emocional disputa em torno da identidade dessa sociedade árabe e muçulmana.

As revoltas populares do último ano no Oriente Médio e no norte da África forçam sociedades como a da Tunísia, livres dos regimes autoritários e celebrando uma imaginada unidade, a encararem sua própria complexidade.

O desenrolar dos fatos levou a eleições no Egito e na Tunísia, e também a uma influência islâmica mais decisiva no Marrocos, na Líbia e, talvez, na Síria. Mas, em lugares como Túnis, uma metrópole litorânea orgulhosa do seu caráter cosmopolita, isso também gera receios sobre o futuro da revolução.

A Tunísia e o Egito podem se tornar mais conservadores, já que os partidos islâmicos inspiram e articulam os costumes de populações que sempre foram mais tradicionalistas que a elite urbana. Alguns aqui esperam que essa disputa leve a um equilíbrio entre as sensibilidades religiosas e a liberdade de expressão. Outros temem que os debates possam polarizar as sociedades.

"É como uma guerra de atrito", disse Said Ferjani, dirigente do Ennahda, queixando-se de que seu partido está preso entre dois tipos de extremismo -o laico e o religioso. "Eles estão tentando não nos deixar focar nas verdadeiras questões." Muitos aqui dizem que a exibição pela TV Nessma da animação francesa "Persépolis", em outubro, foi uma espécie de provocação. O jornalista Abdelhalim Messaoudi, do canal, disse ter visto o filme, sobre a infância de uma menina no Irã revolucionário, "como um pretexto para iniciar uma conversa". Porém, muitos tunisianos, devotos ou nem tanto, ficaram perplexos com a cena em que Deus é personificado -e ainda por cima fala com gírias tunisianas.

Uma semana depois, uma multidão de salafistas -termo que alude aos muçulmanos mais conservadores- atacou a casa de Nabil Karoui, diretor da emissora, que em seguida seria indiciado por calúnia religiosa e por difundir informações que poderiam "prejudicar a ordem pública e a boa moral". Ele pode ser condenado a cinco anos de prisão.

A ONG Human Rights Watch qualificou o julgamento, que foi adiado para abril, como "uma perturbadora guinada para a nascente democracia tunisiana".

Messaoudi e outros dizem que o incidente em frente ao tribunal é parte de uma tendência de violência salafista nos últimos meses.

"Certas facções islâmicas querem transformar a identidade no seu cavalo de Troia", disse Messaoudi. "Eles usam o pretexto de proteger a sua identidade como uma forma de esmagar o que já conseguimos como sociedade tunisiana. Eles querem esmagar os pilares da sociedade civil."

Os debates na Tunísia muitas vezes ecoam polêmicas semelhantes na Turquia, outro país com um longo histórico de regime autoritário laico, mas que hoje é governado por um partido de inspiração islâmica. Em ambos, elites laicas passaram muito tempo se considerando maioria, e eram tratadas como tal pelo Estado. Em ambos, essas elites agora se reconhecem como minoria e se mobilizam mais pela ameaça do que pela realidade da intolerância religiosa.

Ferjani disse que o "caso Persépolis" ganhou dimensões exageradas, mas admitiu que tão cedo o limite entre liberdade de expressão e sensibilidade religiosa não será definido. "A luta é filosófica", afirmou ele, "e ela vai continuar".

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