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Excluídos cobrem São Paulo de tinta

Por SIMON ROMERO

SÃO PAULO, Brasil - Há anos as autoridades desta megacidade travam uma guerra contra o que chamam de "poluição visual", proibindo outdoors, demolindo edifícios abandonados e planejando pôr abaixo agressões urbanísticas como o Minhocão.

Mas a batalha para limpar a paisagem urbana se mistura a um conflito social mais profundo, em que a raiva e a frustração dos excluídos motivam uma forma de expressão sem igual -a pichação, um tipo específico de grafite.

"Nós praticamos uma guerra de classes e há vítimas na guerra", disse o pichador Rafael Guedes Augustaitiz, 27. "Comparam a gente com bárbaros e pode haver um pouco de verdade nisso."

Refletindo a decadência urbana e as profundas divisões de classe que ainda hoje marcam São Paulo, um acadêmico definiu a pichação como "um alfabeto desenhado para a invasão urbana". Em São Paulo, ela praticamente envolve alguns prédios governamentais, arranha-céus residenciais e até monumentos públicos.

Os pichadores mais ousados arriscam suas vidas, escalando fachadas à noite para pintar sua escrita no topo de arranha-céus escurecidos pela poluição. Alguns já caíram e morreram.

"Assumimos riscos para lembrar à sociedade que esta cidade é uma agressão visual e hostil a qualquer um que não seja rico", disse Djan Ivson Silva, 27, líder de um grupo de pichadores.

Enquanto outras formas do grafite paulistano adquirem alguma respeitabilidade como arte de rua, a pichação continua desafiadoramente fora dessas convenções, atraindo reações viscerais dos que estão fartos desses implacáveis rabiscos. "Eles deixam os prédios com um aspecto grotesco, e as paredes ficam nojentas", disse a secretária Telma Sabino, 45.

A pichação, no entanto, fascina estudiosos da cultura urbana, que se debruçam sobre ela desde seu surgimento, na década de 1980.

Muitas vezes aplicando tinta preta com rolos, em vez de usar sprays, que são mais caros, os pichadores foram influenciados por capas de LPs de bandas estrangeiras, como Iron Maiden e AC/DC, as quais por sua vez foram influenciadas pela escrita gótica e pelas runas vikings, disse o acadêmico francês François Chastanet, autor de um livro sobre pichação.

O resultado foi codificado numa escrita com letras pretas verticalmente inclinadas, muitas vezes indecifráveis aos leigos. Chastanet se diz maravilhado com a capacidade de um alfabeto tão ilegal acabar ocupando pedaços tão vastos de uma metrópole.

"Para os moradores de São Paulo, isso pode contribuir para o declínio, mas temos de ver que, na sua enormidade, é uma maravilha urbana", disse Chastanet.

As equipes de pichadores geralmente consistem de cerca de dez integrantes, na maioria jovens pobres da periferia, que pintam frases curtas, como "Terrorismo Poético", ou seus próprios nomes, como "Zé". Os pichadores raramente deixam declarações políticas explícitas. Às vezes, apenas rabiscam o nome de seu grupo. Esses agrupamentos se organizam em associações maiores, chamadas "grifes", que podem abranger até 50 equipes cada.

As grifes, com nomes como "Os + Imundos" e "Os Registrados no Código Penal", competem para pichar prédios cobiçados. Suas brigas de rua são violentas e podem acabar em morte. Essas guerras, como são chamadas pelos envolvidos, às vezes duram anos.

As equipes de pichação não se veem como grafiteiros, já que os coloridos grafites -ao menos na opinião deles- são uma forma menor de expressão, fácil de fazer na rua, e muitas vezes cooptada pelo universo da arte comercial.

No ambiente das artes plásticas daqui, há quem ache difícil entender o apelo da pichação, especialmente depois que grupos invadiram a Bienal e a galeria Choque Cultural, especializada em arte de rua, onde desfiguraram obras.

A pichação também é comum em outras cidades brasileiras -no ano passado, até a estátua do Cristo Redentor, no Rio, apareceu com um braço pichado. E o mundo artístico estrangeiro está começando a adotar a prática. Pichadores de São Paulo foram convidados até para a Bienal de Arte Contemporânea de Berlim.

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