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A guerra química pode vencer garras

Por NATALIE ANGIER

Muitos insetos, sapos, cobras, águas vivas e outros personagens da fauna usam venenos e repelentes para se proteger. Os mamíferos geralmente contam com dentes, garras, músculos ou esperteza. Alguns, porém, descobriram as maravilhas da química.

O rato de crista africano (Lophiomys imhausi) -grande, peludo e com um capacete- é uma dessas criaturas. Ele permeia sua pele com poderosas toxinas colhidas de árvores, como mostra um artigo no "Proceedings of the Royal Society B", afastando os predadores com armas químicas.

Os gambás e guaxinins imitam o mau cheiro de um pântano. O ornitorrinco macho possui em seus calcanhares um veneno semelhante ao de uma naja. O porco-espinho acentua o mau cheiro de seus espinhos com um veneno que tira das costas de um sapo Bufo.

E há mais: micos evitam as pragas com extratos coletados de gongolos (piolho-de-cobra) e formigas, enquanto o veado de cauda preta se esfrega com poderosas secreções antimicróbios produzidas por glândulas em seus cascos. William Wood, um professor de química na Universidade Estadual Humboldt, na Califórnia, disse que essas secreções são eficazes contra microrganismos, incluindo bactérias de acne e fungos.

Para cada solução química encontrada, os pesquisadores buscam identificar seus benefícios, reveses e evolução, e compará-la com outros casos conhecidos. Diversos temas já surgiram.

Por exemplo, enquanto os insetos venenosos tendem a anunciar sua impalatabilidade com cores vivas, a maioria dos mamíferos e seus predadores, que são noturnos ou crepusculares, usam um forte contraste entre escuro e claro.

É por isso que os gambás, guaxinins e o rato de crista africano empregam preto contra branco. O padrão é visível em luz muito fraca, e sua mensagem é: sou mau.

Em um trabalho sobre o rato de crista africano, Fritz Vollrath, da Universidade de Oxford, e seus colegas descreveram suas características especiais.

O rato passa horas mastigando a casca e as raízes da árvore Acokanthera, da qual extrai a mesma toxina que os caçadores africanos usavam tradicionalmente para matar elefantes. O rato então espalha o veneno por pelos em seus flancos.

Cada bainha externa dos pelos é rígida e cheia de buracos, e no interior há longas microfibras macias. A equipe mostrou que a toxina aplicada entra pelos buracos e é armazenada nas fibras. Uma mordida pode matar um predador.

Os pesquisadores não sabem por que o rato é imune à toxina, ou como seu destino se tornou ligado à árvore Acokanthera.

"O rato come coisas que outros animais não comem", disse o doutor Vollrath. "Se comer algo repelente, ele tenta cuspir e se limpar usando sua pele como guardanapo." Assim, um antepassado do rato de crista, esfregando-se em uma árvore tóxica, pode ter acabado protegido contra a predação. Através da evolução, a criatura depende da toxina da árvore para proteção. Se essa árvore for extinta, o rato também poderá sê-lo.

Os gambá sintetizam suas próprias toxinas. Através de glândulas odoríferas anais, eles geram um borrifo repelente.

No centro do borrifo do gambá está o tiol, que contém enxofre, a marca de lugares desagradáveis com muito sulfeto de hidrogênio letal e pouco oxigênio -como as minas e os pântanos. "Nosso nariz consegue detectar os tióis em níveis extremamente baixos", diz o doutor Wood. "Precisávamos ficar longe de áreas com baixo oxigênio, onde poderíamos morrer."

Ele acrescenta que os gambás "vieram e aproveitaram isso".

Para evitar um predador que caça a uma distância desconhecida, o gambá opta pelo efeito neblina; se o agressor estiver mais próximo, ele pode lançar um jato.

O mico é outra criatura que suporta substâncias químicas irritantes para evitar parasitas.

"Os micos são famosos como destruidores", diz Jessica Lynch Alfaro, diretora do Instituto para Sociedade e Genética da Universidade da Califórnia.

Eles rasgam pimentas para liberar a capsaicina, destroem lacraias para conseguir algumas gotas de benzoquinona e eles rolam sobre um ninho de formigas carpinteiras para absorver o formidável ácido fórmico dos insetos. "Os micos ficam muito agitados quando estão se besuntando, disse a doutora Alfaro. "Mas eles estão evitando os parasitas e parecem ter uma alta resistência à dor."

Além disso, besuntar-se é um ato social. "Eles entram em tal frenesi que a ordem social se rompe; todo mundo besunta todo mundo", ela disse. "É como uma grande festa maluca."

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