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Revelando outros em autorretratos

Cindy Sherman convida espectadores a pensarem sozinhos

Por CAROL VOGEL

Um senso assombroso de mistério e mal-estar domina as pessoas que olham uma das fotos elípticas de Cindy Sherman.

Ao longo de seus 35 anos de vida profissional, Sherman já se transformou em centenas de personas: a estrela de cinema, a patricinha, a dona de casa revoltada, a socialite frustrada, a cortesã renascentista, até mesmo um deus romano.

"Nenhum desses personagens sou eu", explicou. "Se o personagem for parecido demais comigo, é rejeitado."

Enquanto Sherman, 58, se preparava para sua retrospectiva no MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), inaugurada ontem com mais de 170 fotos, ela refletia sobre seu próximo trabalho, que talvez seja um retrato familiar em que ela fará todos os papéis.

"Sherman é sem dúvida uma das artistas mais influentes de nossos tempos", diz Eva Respini, curadora associada de fotografia no MoMA, "e sempre trata de questões que fazem parte do coração de nossa cultura visual. Neste mundo de mudança de visuais de celebridades, reality TV e YouTube, esta é uma artista cujos diferentes modos de representação parecem mais verdadeiros hoje do que quando foram feitos".

Uma das primeiras artistas a alcançar a maioridade na era da televisão e da mídia de massas, Sherman cria trabalhos que reúnem o pop e o conceitualismo.

Ela foi notada primeiramente nos anos 1970 com seus "Untitled Film Stills" (fotos não intituladas de cenas de filmes, no original em ingles), retratos fictícios inspirados em filmes e revistas, que examinaram os arquétipos femininos e as questões de gênero de maneira que ninguém havia feito até então.

Mas foi com "Centerfolds" (modelos de página central), de 1981, que sua carreira decolou. O trabalho foi inspirado por fotos da "Playboy", mas as mulheres apareciam vestidas.

Em 1982, Sherman foi tema de uma exposição em Amsterdã e foi incluída na Documenta 7, na Alemanha, além da Bienal de Veneza. Cinco anos mais tarde, teve uma retrospectiva itinerante que ficou no Museu Whitney de Arte Americana, em Nova York. E em 1995 ela recebeu uma bolsa da fundação MacArthur.

Seus "Untitled Film Stills", em que ela revelou o filme para que as fotos parecessem granulosas e rachadas, como fotos promocionais dadas, hoje são vistas como trabalhos referenciais da arte do fim do século 20 (em 1995 o MoMA comprou um conjunto por suposto US$ 1 milhão, um preço enorme na época).

Ela se recusa a intitular seus trabalhos e, para Janelle Reiring, co-fundadora da galeria Metro Pictures, "ela não diz às pessoas o que devem pensar". Outras pessoas intitularam a série.

Sherman frequentemente é vista como alguém que tirou a fotografia do gueto e a colocou no mesmo patamar que as belas-artes.

Em maio, o marchand Philippe Ségalot, de Manhattan, comprou para um cliente uma imagem de 1981 em que Cindy Sherman posou como adolescente. Durante seis meses, foi a foto mais cara já vendida em leilão, tendo sido arrematada por US$ 3,9 milhões.

Cindy Sherman se recorda de sua infância em Nova York: "Eu estava mais interessada em ser diferente das outras menininhas, que se fantasiavam de princesas, fadas ou bruxinhas bonitas. Gostava de ser a bruxa velha e feia ou o monstro".

Em uma aula de fotografia na universidade, um dos primeiros trabalhos que os professores lhe pediram foi enfrentar alguma coisa que fosse difícil para ela. "Fiz uma série de mim mesma nua", conta. Então "com maquiagem, eu transformava meu rosto, virando personagens diversas, apenas para passar o tempo".

A partir de 1985, Sherman, durante algum tempo, se retirou de suas fotos. Uma série traz naturezas-mortas feitas de vômito, sangue e alimentos mofados. Sherman disse que criou essas imagens mais inclementes durante períodos difíceis, como o fim de seu casamento de 15 anos com o "videomaker" Michel Auder.

Mas nenhuma dessas imagens fez tanto sucesso quanto "Untitled Film Stills" ou outros retratos.

Nos últimos anos, a tecnologia vem mudando o trabalho de Sherman. As câmeras digitais lhe possibilitam ver os resultados imediatamente. Na exposição no MoMA, há imagens em que alterou seu rosto digitalmente. "É assustadoramente fácil fazer modificações", diz a fotógrafa.

Sozinha em seu ateliê, Sherman é o tema de suas fotos, a fotógrafa, a diretora, a maquiadora e a figurinista.

"Sempre que tentei contratar pessoas ou usar amigos ou familiares, mesmo que eu pagasse a eles por isso, me sentia na obrigação de fazer sala para eles", conta. "Quando trabalho sozinha, posso me pressionar. E não reclamo."

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