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Violinos são arma no combate à pobreza

Música clássica traz esperança para crianças carentes

Por DANIEL J. WAKIN

CARACAS, Venezuela - Ruas recobertas de lixo e escombros. A possibilidade de violência aleatória em qualquer esquina. E esta parte do bairro Sarría nem sequer é uma das piores de Caracas.

Mas Sarría também abriga um centro do Sistema -o programa venezuelano de avanço social por meio da música erudita. Assim, na mesma rua em que se veem as cenas de pobreza e sujeira, crianças com violinos, trompas e trompetes lotavam os espaços de uma escola primária.

O Sistema foi fundado em 1975, mas tornou-se amplamente conhecido apenas nos últimos cinco anos, graças em parte à meteórica ascensão de sua "cria" mais famosa, Gustavo Dudamel. O regente de 31 anos tornou-se diretor musical da Filarmônica de Los Angeles em 2009.

"Minha meta é continuar estudando para me tornar uma grande instrumentista", diz Emily Castañeda, 10, que tinha começado a tocar trompa 15 dias antes e já produzia bons sons. Outra opção, afirma a garota, cuja mãe é faxineira e que não conhece seu pai, é tornar-se médica.

Fundado pelo economista e músico José Antonio Abreu, o Sistema procura usar a música erudita para afastar as crianças das armadilhas da pobreza.

O diretor executivo do programa, Eduardo Méndez, diz que o Sistema estima já ter alcançado 310 mil crianças em 280 locais de ensino, chamados núcleos. Fazem parte do Sistema cerca de 500 orquestras e outros conjuntos musicais, desde grupos pré-escolares que usam moldes de instrumentos feitos de cartolina até a Orquestra Sinfônica Simón Bolívar, de primeiro nível.

O Sistema já inspirou programas semelhantes em muitos países e atraiu defensores influentes, como os regentes Claudio Abbado e Simon Rattle.

O governo populista de Hugo Chávez está satisfeito com o programa, no qual injeta 540 milhões de bolívares, ou US$ 64 milhões, por ano.

O núcleo Sarría, na periferia norte de Caracas, tem como sede uma escola de 1.200 alunos que vão desde o jardim de infância até a sexta série.

O núcleo exemplifica muitos dos princípios que parecem tornar o Sistema tão bem­?sucedido. Todas as aulas e os instrumentos são gratuitos. Nenhuma criança é recusada, as aulas são dadas em grupo, e muitos dos instrutores passaram pelo Sistema (logo, estão engajados com o movimento). As apresentações fazem parte do programa desde o primeiro momento. O núcleo fica a pequena distância da casa dos alunos, de modo que eles possam ir a pé ter suas aulas.

Todos os músicos ganham medalhas que têm a imagem de um violino de um lado e, do outro, o lema "Tocar e Lutar".

"A partir do momento em que eles começam a tocar e a apresentar-se para outros, sentem orgulho do que estão fazendo", afirma Méndez. "O mais importante em nossos núcleos é a qualidade. Ensinamos com a melhor qualidade possível."

O austero diretor do núcleo de Sarría, Alejandro Muñoz, tem 32 anos; ele próprio nasceu numa favela e passou por um núcleo do Sistema.

"Minha mãe achou que seria um lugar seguro", diz. Ele foi identificado como tendo potencial de tornar-se regente e foi enviado a um conservatório de música.

O Sistema também possui corais e programas de ensino de fabricação e reparo de instrumentos musicais.

As coisas nem sempre são tranquilas. Às vezes, ocorrem atritos entre representantes do Sistema e os administradores dos prédios que eles utilizam. O crescimento do programa às vezes supera a oferta de professores e instrumentos. Às vezes os pais não levam seus filhos aos ensaios. Os instrumentos podem ser roubados.

A maioria dos alunos do Sistema acaba por não seguir carreira musical, mas muitos voltam e trabalham no Sistema, mesmo assim. Méndez, por exemplo, é advogado.

"Uma vez que você é tocado pelo Sistema, você nunca o deixa", afirma.

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