Índice geral New York Times
New York Times
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Tensão sectária na Síria traz ameaças para uma região volátil

Por TIM ARANGO
NAJAF, Iraque - Abu Ali fugiu da sua vida como estudante e clérigo xiita em Homs, a sitiada cidade síria no centro de uma rebelião sangrenta, mas não era do governo sírio que ele tinha medo.

Era dos rebeldes, que segundo ele mataram três primos seus e jogaram um corpo na lixeira da família, em dezembro. "Não posso ficar em Homs porque lá vou ser morto", disse ele em Najaf, cidade religiosa do Iraque onde se refugiou, após a fuga da Síria. "Não só eu, como todos os xiitas."

Como os xiitas do Iraque, Abu Ali (que usou o apelido para proteger seus parentes na Síria) diz considerar os rebeldes sírios como terroristas e não combatentes pela liberdade, num sinal das complexidades de um conflito que desafia todos os esforços diplomáticos da comunidade internacional.

Apesar da decisão do ditador Bashar Assad de lançar um Exército profissional contra civis, com resultados letais, Assad retém algum apoio de aliados domésticos e internacionais, inclusive minorias étnicas e religiosas que há décadas acreditam depender do Estado forte para se proteger de agressões sectárias.

"O governo está é tentando proteger as pessoas", disse Abu Ali.

A insurreição na Síria, liderada pela maioria sunita do país em oposição a um governo dominado por alauítas, um ramo do xiismo, está cada vez mais imprevisível e perigosa, porque agrava tensões sectárias além das suas fronteiras, em uma região já abalada por divisões religiosas e étnicas.

Para muitos na região, a luta na Síria tem mais a ver com poder e interesses próprios do que com libertar um povo sob ditadura. A Síria está atraindo forças sectárias de seus vizinhos e ameaçando espalhar seu conflito para uma conflagração mais vasta. Já houve faíscas no vizinho Líbano, onde sunitas e alauítas travaram escaramuças.

E no Iraque, onde os xiitas são maioria, os fatos no outro lado da fronteira sobressaltam a nação, reforçando um cisma sectário. Como Abu Ali descobriu, os xiitas do Iraque estão agora alinhados com a ditadura do partido Baath na Síria, menos de uma década depois da invasão americana que derrubou a ditadura de Saddam Hussein e do seu próprio Baath, os quais durante décadas oprimiram e brutalizaram os xiitas iraquianos.

"É difícil", disse o xeque Ali Nujafi, filho e porta-voz de um dos principais clérigos de Najaf, sobre o apoio xiita a Assad. "Mas o pior seria o que viria em seguida."

O paradoxo de os xiitas apoiarem um ditador baathista deixa exposto um pilar da velha estrutura de poder que durante tanto tempo ajudou a preservar os homens fortes do Oriente Médio. As minorias permaneciam leais e obedientes e em troca recebiam espaço para desenvolver suas comunidades, apesar de continuarem sofrendo uma discriminação mais geral.

Com a queda de ditadores em países vizinhos, as identidades e alianças religiosas e étnicas só se cristalizaram, enquanto noções como cidadania demoram a se arraigar. O conflito na Síria exacerbou isso, já que os xiitas temem que uma tomada do poder pela maioria sunita prenuncie não só uma guerra sectária, como também um apocalipse.

As pessoas aqui dizem que isso não é uma simples hipérbole e sim uma percepção baseada na fé. Alguns xiitas veem a guerra civil síria como o agourento cumprimento de uma profecia xiita sobre o fim dos tempos. Segundo a tradição xiita, Sufyani -uma apócrifa e diabólica figura do islã- reúne um Exército na Síria e depois de conquistar aquela terra volta sua ira contra os xiitas do Iraque.

No momento em que governos ocidentais e árabes avaliam medidas que interrompam o derramamento de sangue sírio -opções incluem exercer uma diplomacia mais agressiva, armar os rebeldes ou intervir militarmente-, essas discussões são atrapalhadas pela falta de coesão da oposição síria, pelas evidências de que alguns rebeldes podem ser afiliados à Al Qaeda e por relatos críveis de assassinatos sectários.

No cerne do problema da unidade está uma questão de identificação sectária. Radicais sunitas do Estado Islâmico do Iraque, uma coalizão que inclui a filial local da Al Qaeda, conclamaram combatentes a irem para a Síria, o que torna mais difícil para o Ocidente abraçar a oposição. Recentemente, o grupo publicou em seu site um comunicado defendendo mais violência contra os xiitas aqui no Iraque, segundo a consultoria Site Intelligence Group, que monitora comunicações de grupos jihadistas.

As minorias sírias têm o exemplo do Iraque ao avaliar o seu próprio futuro, caso o governo de Assad caia: cristãos assírios, yazidis e outros foram brutalmente perseguidos por insurgentes. No Egito, onde um paradigma similar caiu junto com a ditadura de Hosni Mubarak, os cristãos passaram a enfrentar mais violência, mais marginalização política, e uma crescente vinculação de identidade islâmica à cidadania.

Abu Ali disse temer que a Síria esteja se dirigindo para o mesmo caminho sangrento que o Iraque trilhou após a invasão americana. "Nos bairros que são sunitas, eles estão chutando os xiitas para fora e usando suas casas como quartéis e para armazenar armas", disse ele. "Há um verdadeiro terror entre os xiitas de lá."

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.