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Em meio às ruínas, um dilema moderno

Iraquianos deslocados deixam tesouros em risco

Por JACK HEALY

MOSSUL, Iraque - No lugar que um dia foi dominado por reis assírios, um agricultor iraquiano chamado Araf Khalaf observa o pedaço de terra que alimentou três gerações de sua própria família.

É pouco mais que uma choupana de barro e uma pequena horta pedregosa, mas seu terreno tornou-se um campo de batalha onde se enfrentam os esforços para preservar os antigos tesouros do Iraque e os pobres iraquianos de hoje.

Com a violência diminuindo, os arqueólogos estão novamente escavando e reparando os sítios históricos do país. Mas enfrentam um problema: milhares de iraquianos instalaram residência entre as mal guardadas ruínas da Mesopotâmia, em casas e oficinas, estufas e garagens construídas ilegalmente. E não querem sair.

"Meu pai cresceu aqui", disse Khalaf. "Esta é a nossa terra."

Para as autoridades iraquianas, os moradores não passam de invasores que representam a última ameaça a um patrimônio arqueológico que já foi saqueado, destruído por décadas de guerra e desfigurado pelos acréscimos e reformas egocêntricas do deposto ex-ditador Saddam Hussein.

Eles querem realocar as famílias e isolar as áreas, como as autoridades curdas no norte do país fizeram para retirar os invasores de uma antiga cidadela na cidade de Irbil.

Mas até agora as autoridades de Bagdá e outras províncias quase nada fizeram.

Qais Rashid, líder do Conselho Estatal de Antiguidades e Patrimônio, diz que o Iraque tem cerca de 800 policiais para proteger mais de 12 mil sítios, o que torna impossível monitorar qualquer coisa além de uma pequena fração do total.

Alguns invasores (não há uma contagem precisa) são oportunistas que construíram casas e lojas de concreto -e até uma fábrica-, visando vender rapidamente as propriedades.

Outros mudaram-se para os locais esperando ser indenizados para sair. Mas muitos estão entre os estimados 1,3 milhão de iraquianos que foram desalojados pela guerra.

"Vivemos aqui pacificamente", disse Haji Khalaf Bilal al Badrani, pai de Khalaf. "Num dia comemos tomates, no outro comemos um pedaço de pão. Desde que não roubemos, estamos bem."

Muitas casas com paredes de barro ficam à sombra do portão Mashki reconstruído, uma enorme entrada de Nínive descrita no Livro de Jonas da Bíblia como "uma cidade extremamente grande".

Ela foi atacada e quase toda destruída em 612 a.C. e escavada no século 19 por arqueólogos britânicos que levaram embora tábuas com inscrições, esculturas e relevos incríveis.

Khalaf disse que protegeu o portão e a escavação principal dos roubos generalizados que acompanharam a invasão americana. Ele diz que nunca tocou sequer em um tijolo.

Ele sairá se for solicitado. Mas, mesmo que sua casa seja demolida, disse que ainda será atraído pelo lugar.

"Uma pomba voa longe, mas sempre volta para casa", disse ele. "Para nós é a mesma coisa."

Omar al-Jawoshy e um funcionário iraquiano do "The New York Times" colaboraram

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