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"Golpe do baú" muda o Vietnã

Por NORIMITSU ONISHI

QUANG YEN, Vietnã - No fim das contas, Bui Van Vui viveu apenas três meses na casa nova que duas filhas suas, casadas com sul-coreanos, o ajudaram a construir aqui. Morrendo de câncer na garganta, ele havia pedido pressa ao empreiteiro.

O enorme sobrado ofusca a acanhada estrutura de concreto vizinha, a antiga casa da família. O elegante telhado vermelho do novo imóvel pode ser visto à distância neste recanto rural do litoral norte do Vietnã, perto de Haiphong. "Esta casa era o sonho dele", disse a viúva de Bui, Nguyen Thi Nguyet, 60.

O casal, como muitos outros no interior vietnamita, havia prosperado nos últimos anos graças a filhas que, estimuladas pelo sonho de uma vida melhor e pelo ideal confucionista de amparo aos pais, emigraram para se casar com sul-coreanos.

O dinheiro que elas e outras moças transferem regularmente para pequenas localidades no Vietnã costuma rapidamente se transformar em casas novas.

As jovens vietnamitas geralmente se casam com sul-coreanos mais velhos, que, por causa da baixa renda ou de casamentos anteriores, têm dificuldades para encontrar uma noiva do seu próprio país. O acirrado mercado nupcial sul-coreano deu origem à florescente atividade empresarial de agenciadores de casamentos, que levam esses homens em excursões ao Vietnã, onde eles escolhem mulheres para casar em rápidos encontros.

Foi durante uma viagem dessas, em 2007, que uma das filhas de Bui e Nguyen, Bui Thi Thuy, então com 22 anos, conheceu o seu marido, o viúvo Kim Tae-goo, um cinquentão produtor de maçãs.

No karaokê Lucky Star, em Hanói, nenhuma das mais de 20 moças presentes se interessou de imediato por Kim. Mas Thuy e duas outras se animaram depois que o homem prometeu enviar US$ 100 mensais aos pais da mulher que o aceitasse.

Thuy e Kim se instalaram numa localidade rural da Coreia do Sul e tiveram uma filha, mas se separaram há um ano. Thuy hoje vive em Seul com uma irmã mais nova, também casada com um sul-coreano.

No casamento de Thuy e Kim, ocorrido em 2007 em Hanói, Bui não conseguia esconder sua frustração pelo fato de sua filha estar se unindo a um homem com a idade dele próprio. Mas Kim o lembrou dos US$ 100 que prometera enviar a cada mês.

"Ele não manteve a promessa", disse Nguyen. Em quatro anos de casamento, o ex-genro mandou apenas US$ 880. "Ele é pobre", acrescentou a ex-sogra. Kim não quis ser entrevistado para esta reportagem.

Por outro lado, contou Nguyen, ela recebeu mais de US$ 100 por mês da filha mais nova e do marido sul-coreano dela.

Ela enviava parte do salário que recebia num emprego de meio período, além do dinheiro do marido. O casal forneceu quase metade dos US$ 20 mil necessários para a construção de uma nova casa, segundo Nguyen.

No começo de 2010, Bui soube que tinha câncer na garganta e procurou tratamento em Hanói. Como não adiantou, ele passou a concentrar as suas energias em terminar a casa, o que aconteceu em outubro de 2010.

Nos seus últimos três meses de vida, Bui ficou tão fraco que não conseguia nem mais subir ao segundo andar da casa.

O tumor da garganta inchou até ficar do tamanho de uma laranja, impedindo-o de conversar com a família -inclusive com Thuy, que voltou da Coreia do Sul.

Logo depois do enterro do pai, Thuy regressou a Seul. Mas seus pais haviam reservado um pequeno lote de terra para ela.

"Depois que a filha dela crescer", disse a mãe, "talvez Thuy possa voltar para viver aqui".

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