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Solitários enchem seus lares com mil manias

Por STEVEN KURUTZ

Se restava qualquer dúvida de que vivemos na era do indivíduo, uma espiada nas estatísticas habitacionais confirma que sim. Há milênios as pessoas se amontoam em cavernas, choupanas de barro ou casas.

Mas, hoje em dia, um em cada quatro lares americanos é ocupado por um morador solitário; em Manhattan, a cifra chega a quase 50%. Alemanha, França, Reino Unido e Japão têm proporções ainda maiores de lares habitados por um só morador.

Há, de fato, muitas vantagens em morar sozinho: a liberdade de andar à vontade pela casa; o espaço e a solidão para recarregar as baterias num mundo tão conectado; o domínio absoluto sobre a cama.

Por outro lado, a casa de um morador só pode virar terreno fértil para excentricidades -aquilo que às vezes é chamado de "comportamento secreto do solteiro". Está a fim de ficar de pé na cozinha às 2h da manhã, pelado, comendo manteiga de amendoim direto do pote? Quem vai ficar sabendo?

A professora Amy Kennedy, 28, dona de um apartamento de dois quartos em High Point, na Carolina do Norte, diz que isso é viver "sem freios e contrapesos sociais".

Os efeitos, segundo ela, são perceptíveis: "Moro sozinha há seis anos e estou ficando cada vez mais esquisita".

Isso inclui: correr sem sair do lugar nos intervalos da TV, conversar consigo mesma em francês preparando o café da manhã (ela ouve um CD do idioma), cantar músicas da banda Journey no banho e só tirar da secadora a roupa que ela vai usar, transformando assim a máquina em um guarda-roupa improvisado.

"O apartamento todo é o seu quarto", disse Kennedy. "Se eu deixo um sutiã na mesa da cozinha, não penso muito a respeito."

Pela experiência de Kate Bolick, redatora de uma revista, morar sozinha estimula "um estilo de trabalho muito indulgente". "Posso trabalhar em tempo integral durante dias a fio e posso deixar o meu apartamento inteiro desmoronar em cima de mim e ficar sem lavar a louça", exemplificou ela.

O que emerge ao longo do tempo é um "eu doméstico" notavelmente diferente da personalidade que a pessoa apresenta publicamente ao resto do mundo.

Todos nós temos personalidades privadas, é claro, mas quem mora sozinho passa bem mais tempo as explorando.

No caso de Rod Sherwood, a indulgência afeta seu ciclo de sono. Empresário musical e produtor fonográfico, Sherwood, 40, trabalha no seu apartamento no Brooklyn. Ele conta que numa determinada noite vai dormir às 2h e aí passa a se recolher cada vez mais tarde. "Até que eu vou para a cama quando o sol aparece", disse.

"Eu já me perguntei quantas vezes por ano repito esse ciclo. Eu me interessaria em fazer um gráfico disso."

Ronni Bennett, 70, que escreve um blog sobre o envelhecimento (timegoesby.net), só passou uns dez anos da sua vida adulta sem morar sozinha. Ela disse que já adotou um hábito clássico das pessoas solitárias: "Eu jamais fecho a porta do banheiro".

E quando ela recebe visitas no seu apartamento de dois dormitórios, nos arredores de Portland, em Oregon? "Preciso fazer enormes esforços mentais para me lembrar de fechar a porta. Às vezes, eu penso: 'Basta colocar um bilhete post-it junto à porta do banheiro'. Bem, espere, não quero que vejam isso."

Como muitos, Bennett fala sozinha -ou melhor, com seu gato. "Experimento as coisas com ele quando estou escrevendo", contou ela. "Ele me olha como se estivesse realmente me ouvindo. Eu não discutiria o que estou escrevendo com o meu gato se houvesse alguém ao redor."

Outros dizem que as maiores excentricidades aparecem na cozinha. "Eu raramente faço o que você chamaria de 'refeições'", disse Steve Zimmer, programador de computação quarentão que mora sozinho em um loft de Manhattan.

Em vez de aderir a cardápios e horários regulares, ele faz "seis ou sete" incursões por hora à geladeira, e sobrevive principalmente à base de cereais.

Para pessoas que se sentem confortáveis ou mesmo que gostam de morar sozinhas, costuma haver outra preocupação: o temor de que seus hábitos domésticos tenham se cristalizado tanto que seja difícil voltar a dividir teto com alguém.

"É definitivamente algo que me atormenta", disse Kennedy. "Não posso mais abrir mão das minhas esquisitices."

Quanto mais tempo ela passa morando sozinha, disse, menos flexível ela se torna -e menos ela leva em conta as necessidades dos outros. "Se saio de férias com um grupo de amigos, me sinto um pouco sobrecarregada", afirmou ela. "Preciso dividir esse quarto com outras pessoas? Precisamos organizar os banhos?"

Mas Bennett, cuja última relação com coabitação terminou em 1976, disse que não se preocupa em ser esquisita demais para partilhar uma moradia.

"Sabe, ouço esse troço de 'simplesmente tenho maus hábitos demais'. Se eu quisesse viver com alguém outra vez, eu conseguiria. A gente volta a se recompor."

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