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Para filmes, é difícil repetir o encanto dos contos de fadas

Por TERRENCE RAFFERTY

Nos últimos dois ou três anos, contos de fadas vêm enfeitiçando as telas grandes e pequenas.
O filme "Espelho, Espelho Meu", de Tarsem Singh, uma nova e moderna versão da história da Branca de Neve, será lançado nos próximos meses e "Snow White and the Huntsman" também está previsto para este ano.
"Hansel & Gretel: Caçadores de Bruxas" deve chegar aos cinemas no início de 2013. E dois seriados americanos, "Grimm" e "Once Upon a Time", são relacionados com contos de fadas. Nem todos vão viver felizes para sempre nas plateias, mas está claro que o setor do entretenimento, com sua confiança infantil nos poderes de sua própria magia, ainda acredita que todos nós ficaremos enfeitiçados.
Mas o tom característico dos contos de fadas e das histórias folclóricas -originárias das tradições de narrativa oral-, é difícil de ser reproduzido na tela. Dois exemplos disso no ano passado foram "A Garota da Capa Vermelha", de Catherine Hardwicke, e "A Fera", de Daniel Barnz -um "A Bela e a Fera" modernizado.
No filme "A Garota da Capa Vermelha", a ação acontece num povoado medieval, como de praxe. O lobo que ameaça Chapeuzinho Vermelho e sua vovó virou um lobisomem, mas as bases da história continuam iguais, e Hardwicke, famosa por "Crepúsculo", cria o clima apropriadamente sombrio. O filme, porém, é péssimo. Os atores jovens parecem falar esperanto e os mais velhos parecem atordoados, como se lutassem contra um feitiço de longa duração.
"A Fera" é igualmente pouco convincente. O conto clássico foi adaptado por Jean Cocteau em 1946 e pelos animadores da Disney em 1991. Daniel Barnz ambienta a ação num colégio moderno em Manhattan, onde um rapaz bonito, rico e arrogante é transformado em um feioso por uma bruxa. Ele precisa aprender a ser bom para que a doce heroína consiga amá-lo, apesar de sua feiúra.
O problema é que, não obstante o título do filme, o protagonista não é uma fera, é apenas um humano pouco atraente. A questão toda do romance poético de Cocteau é que o herói, apesar de seus modos corteses, é também um predador que, quando se apaixona por Belle, é obrigado a usar toda sua força de vontade para não ceder ao impulso de devorá-la.
O filme de Cocteau é o maior já feito a partir de um conto de fadas. O gracioso "Pele de Asno" (1970), de Jacques Demy, é o distante segundo colocado. E "A Companhia dos Lobos" (1984), de Neil Jordan, é um "Chapeuzinho Vermelho" reimaginado, mais assustador e mais erótico que a maioria dos filmes de contos de fada.
Graças aos videogames, à computação gráfica e ao caráter desanimador do cotidiano, as fantasias vêm passando por um renascimento. Mas as realidades sociais nas quais se baseiam os contos de fadas originais estão distantes de nossa realidade atual. E as lições que os contos de fadas deveriam supostamente ensinar não têm peso: as crianças de hoje aprendem a ser céticas desde muito cedo.
"Espelho, Espelho Meu" se esforça para deixar claro que tem consciência de ser um filme bobinho. A história é ambientada num reino de conto de fadas de aparência mais ou menos medieval, mas o tom é alegre e abertamente anacrônico. Praticamente todos os diálogos são travados como se fossem piadas de um show de humor, e o filme reflete conceitos mais contemporâneos sobre os papéis de gênero. Branca de Neve é uma princesa ativa e realizadora, não a heroína passiva do passado.
"Espelho, Espelho Meu" pode agradar ao público-alvo de crianças e pré-adolescentes. Mas não diz muito sobre como deveríamos enxergar os contos de fadas nos tempos atuais, nada encantados.
Surpreendentemente, os seriados "Grimm" e "Once Upon a Time" induzem à reflexão mais que os filmes baseados em contos de fadas. Em "Grimm", um investigador de Portland, no Oregon, persegue e derrota uma fera a cada semana. Os monstros, todos com nomes alemães, se passam por humanos, apenas um "Grimm" -caçador hereditário de monstros, como o policial- é capaz de enxergar quem realmente são.
"Once Upon a Time" parte de uma premissa mais complicada. Uma maldição lançada sobre os personagens de contos de fadas os transportou para os nossos tempos e eles não têm consciência de sua existência anterior, nos livros de histórias. O ambiente criado é de algo que não está nem aqui nem lá, algo que hoje parece estar muito presente no mundo: um senso crônico de irrealidade.
Um tom subjacente de melancolia percorre o seriado, ao mesmo tempo em que ele faz uma mistureba modernizada das histórias com as quais todos nós crescemos. "Once Upon a Time" é capaz de fazer você se sentir criança e ao mesmo tempo muito, muito velho em seu íntimo.

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