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Setor privado ajuda a abrir portas para o mundo

Sam Phelps/The New York Times
Em fevereiro, exposição comercial indiana em Lahore (Paquistão), evento inédito; empresas da Índia têm papel crescente na política externa
Em fevereiro, exposição comercial indiana em Lahore (Paquistão), evento inédito; empresas da Índia têm papel crescente na política externa

Por JIM YARDLEY

Lahore, Paquistão
Há seis décadas -incluindo aí três guerras e um impasse nuclear-, diplomatas tentam sem sucesso melhorar as relações entre o Paquistão e a Índia. Agora, é a vez de a iniciativa privada tentar. Na falta de progressos em questões como terrorismo, direitos hídricos e o status da Caxemira, o comércio se tornou a mais promissora abertura na atual rodada diplomática.

Em fevereiro, pela primeira vez aconteceu no Paquistão uma exposição comercial indiana, num sinal da importância do setor privado na política externa de Nova Déli.

A chancelaria indiana, embora composta por funcionários de alto gabarito, não tem pessoal suficiente para garantir uma presença global abrangente. Por isso, o governo muitas vezes depende do setor privado como intermediário. As duas principais entidades empresariais do país -a CII (Confederação da Indústria Indiana) e a Ficci (Federação das Câmaras de Comércio e Indústria Indianas)- têm escritórios espalhados pelo mundo e patrocinam diálogos diplomáticos informais com países como Japão, China, Cingapura e EUA.

"Cada vez mais a economia e o comércio são vistos como motores primários das relações internacionais, o que até muito recentemente não acontecia no sul da Ásia", disse Rajiv Kumar, da Ficci.

Como a Índia precisa cada vez mais de recursos naturais, os líderes empresariais promovem agressiva abordagem à África e à América do Sul. No ano passado, o primeiro-ministro Manmohan Singh esteve na África prometendo ajuda, numa viagem apoiada pelo setor privado, que compete ali com a China por recursos.

"Essas são lugares incrivelmente importantes para a Índia, mas o Estado indiano não tem recursos para manter uma forte presença", afirmou o ex-diplomata americano Ashley Tellis, que serviu na Índia. "As empresas realmente se tornaram o substituto 'de facto' para o envolvimento diplomático indiano."

A Índia, com 1,2 bilhão de habitantes, tem cerca de 800 diplomatas em 162 postos espalhados pelo mundo (o corpo diplomático dos EUA tem mais de 11 mil integrantes e o da pequena Cingapura possui 847).

Um programa de expansão e contratação está em curso, mas o processo é lento. "A presença de corporações indianas, tanto públicas quanto privadas, ajuda a expandir nossa presença", disse uma autoridade indiana.

Em novembro de 2008, em um momento de cauteloso otimismo, Kumar visitou Lahore. Então líder de um grupo de pesquisas indiano, ele se reuniu com um grupo paquistanês de pesquisas para discutir as relações bilaterais.

Dias depois, terroristas treinados no Paquistão atacaram Mumbai, matando pelo menos 163 pessoas. Naquele momento, qualquer chance de um avanço diplomático estava destruída.

Em 2010, Kumar já estava na Ficci, com uma agenda focada na ampliação da presença do grupo e na criação de um mercado interconectado no sul da Ásia. Ele começou a viajar para Bangladesh, Sri Lanka e Nepal, onde foi recebido por líderes importantes.

Há mais de uma década, o outro grupo empresarial importante da Índia, a CII, atua como um dos mais influentes interlocutores da política externa indiana, facilitando uma aproximação com o Japão, Cingapura e os Estados Unidos.

Em 2001, a CII se associou ao Instituto Aspen, dos EUA, para patrocinar um encontro entre líderes dos "pensamentos" indiano e americano na cidade de Udaipur, na Índia. Após décadas de um relacionamento frio, os dois países haviam repentinamente se aproximado, especialmente depois da visita do ex-presidente Bill Clinton à Índia. Mas nenhuma das partes sabia como avançar.

"Começamos a falar sobre defesa, sobre energia", lembrou Tarun Das, ex-presidente da CII. "Começamos a falar de HIV/Aids. O diálogo foi para: 'O que mais podemos fazer? Como podemos construir confiança entre os dois países?' Após 50 anos, só havia desconfiança."

Os países agora são parceiros estratégicos. O conceito mais importante nascido daquela reunião inicial acabou se tornando o histórico Acordo Nuclear Civil Estados Unidos-Índia.

Em 2008, quando o Congresso dos EUA ameaçou barrar o tratado, o governo da Índia obteve uma potente ajuda do lobby empresarial indiano, que incluía americanos de origem indiana que haviam prosperado nos EUA.

O jornalista Ashok Malik, que participou da redação de uma análise sobre a diplomacia privada indiana, disse que a influência das empresas do país está clara também em outras áreas.

Em 2005, quando a esquerda indiana era parte da coalizão governista, o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, foi homenageado com uma grande recepção em Nova Déli. Dois anos depois, com a esquerda fora da coalizão, o presidente da Índia ignorou a Venezuela em uma viagem à América do Sul, preferindo passar pelo Chile e pela Argentina, onde corporações indianas possuíam muitos interesses comerciais.

"Antes, o comércio estava por baixo das políticas públicas", disse Malik. "Agora, estão discutindo acordos individuais."

As empresas também estão se tornando um importante canal para a crescente presença da Índia no leste da Ásia, um quintal da China.

Cingapura, Japão, Taiwan e Austrália já incrementaram suas relações comerciais, em parte como uma estratégia para se aproximar diplomaticamente da Índia e possivelmente nutrir um contrapeso à China. E a CII está discretamente promovendo um diálogo com a própria China.

"Aos poucos, estamos tentando ver se pode haver alguma construção de confiança com a China", disse Das.

Uma cuidadosa reconciliação entre Índia e Paquistão está em curso desde 2011. Uma visita do ministro indiano do Comércio, Anand Sharma, à exposição comercial de fevereiro foi um gesto significativo: ele foi o primeiro ocupante desse cargo a fazer uma viagem oficial ao Paquistão.

"Vejo isso como um ato simbólico, uma vacina contra os grupos de direita que irão se opor à Índia", disse Kumar sobre o evento. "Se ele for bem sucedido, o próximo pode ser maior."

Duas semanas depois da visita, o Paquistão anunciou novas regras que podem ampliar muito o número de produtos importados da Índia -uma significativa vitória empresarial e diplomática.

Restam muitos desafios. O não alinhamento, um legado da Guerra Fria para a Índia, ainda exerce um potente apelo. Muitos esquerdistas dizem que o governo está empurrando a Índia para perto demais dos EUA e se curvando aos interesses corporativos.

Grupos direitistas hindus monitoram com suspeita qualquer interação com o Paquistão.

E outros criticam que o setor empresarial irá proteger seus próprios interesses. Para Tellis, a reação hesitante da Índia à Primavera Árabe aconteceu em parte porque o setor privado do país -com importantes vínculos empresariais com o golfo Pérsico- receou em aceitar prontamente a mudança política.

Mas Kumar acredita que o progresso é possível, porque a classe média de ambos os países têm um objetivo em comum: foco no crescimento econômico.

Malik concorda. "O fenômeno do crescimento tornou a classe média indiana menos tolerante com o pecado do aventureirismo e da guerra", afirmou ele. "Ela ainda está preocupada com o terrorismo. Mas não quer travar guerras. Ela tem mais o que fazer."

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