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Dos quadrinhos para os museus

Cartunista seduz com personagens desajustados

Por CAROL KINO

OAKLAND, Califórnia - Em um dia sombrio de inverno, o cartunista Daniel Clowes me levou para conhecer seu bairro aqui em Oakland, incluindo locais que já serviram de pano de fundo para alguns de seus quadrinhos.

Clowes apontou para o banco onde Marshall, o solitário desajustado de "Mister Wonderful", fica sentado, de mau humor, depois de ser expulso de uma festa, e para o salão de manicure onde o inepto protagonista de "Wilson" fica xingando. "Ela é uma derrotada", diz Clowes em tom de admiração, falando de sua cidade natal.

Clowes, 50, pode ser fascinado pela ironia e pelos derrotados, mas é também um dos mais respeitados e bem sucedidos autores de graphic novels da atualidade. Ele já publicou 14 livros, sem falar em dezenas de revistas de quadrinhos como a pioneira "Eightball". Apenas nos últimos dois anos lançou três graphic novels, incluindo "The Death-Ray" (2011), sobre um garoto adolescente que vira super herói quando fuma cigarros. O livro lhe valeu o prêmio PEN 2011.

Dois de seus livros de quadrinhos viraram filmes independentes: "Mundo Fantasma", de 2001 (estrelado por Scarlett Johansson), e "Art School Confidential", de 2006. "Wilson" será levado ao cinema pelo diretor Alexander Payne, que acaba de dividir um Oscar pelo roteiro de "Os Descendentes".

"Gostei desse retrato bizarro de um misantropo", falou Payne. "É um grande papel para um ator. E quem poderia representar a ex-mulher horrível?"

Agora, finalmente, o mundo das artes está alcançando Clowes. Uma retrospectiva dele no Oakland Museum, a ser aberta em 14 de abril, inclui cem obras do cartunista, criadas a partir de 1989. Todas, menos duas, são desenhos originais feitos com tinta e guache para seus quadrinhos, livros e capas da revista "New Yorker". Após 12 de agosto, a mostra vai percorrer outros museus americanos e provavelmente seguir para a Europa e Ásia.

"Ele cria imagens com a facilidade que se vê em alguns dos grandes mestres", comentou Susan Miller, a curadora independente que organizou a mostra. "O trabalho de Dan se destaca por sua precisão", disse o pintor alemão Neo Rauch, que incluiu Clowes em uma mostra de seus cartunistas favoritos no Bonnefantenmuseum, em Maastricht, em 2002. Art Spiegelman, autor do livro de memórias em quadrinhos "Maus", comentou: "E ele é muito observador. Os pequenos detalhes que aparecem no cenário dele são baseados em observação às coisas à sua volta."

Seria possível imaginar que o próprio Clowes fosse um desajustado melancólico que vivesse escondido em algum antro desarrumado. No entanto, ele mora numa casa ampla com Erika, sua esposa há quase 17 anos, o filho de 7 anos deles, Charlie, e uma cadela da raça bigle, Ella. Seu ateliê é repleto de gibis vintage e memorabília da revista "Mad". Tudo está organizado, arrumado e decorado com bom gosto.

Clowes é alto, magro e de fala mansa, mais afável e gentil que os seres mal-humorados que brotam de seu lápis. Ele mencionou o fato de ter "uma vida inteira de ressentimentos a desabafar", mas disse: "Consigo pôr muita coisa para fora nos quadrinhos".

Clowes passou sua infância em Chicago. Em 1979, quando se mudou para Nova York para cursar escola de arte, seu sonho de virar cartunista caiu por terra em pouco tempo. "Eu imaginava que os professores de arte estariam abertos ao que você quisesse fazer, mas todos eram profundamente resistentes", explicou.

Em 1984, ele passou o ano tentando encontrar trabalho como ilustrador. Para se animar, desenhou "Lloyd Llewellyn", uma tirinha sobre um investigador. Não tendo ideia de como eram feitos painéis de quadrinhos a cores, Clowes, num processo trabalhoso, pintou-os sobre celulóides de animação. Ele enviou o material para a Fantagraphics. Para seu espanto, o editor lhe telefonou e ofereceu um gibi próprio (publicado entre 1986 e 1987), mas cancelado logo depois por causa das vendas fracas.

Clowes decidiu tentar um último projeto antes de desistir. Foi quando idealizou a série antológica "Eightball", que reuniu gêneros e estilos de desenho de quadrinhos diferentes. Logo, ele se tornou um astro dos quadrinhos alternativos do início dos anos 1990.

Clowes disse que sua meta artística é "fazer com você não se lembre de estar lendo um gibi, mas sentir que está dentro da história". É também esse seu objetivo para a retrospectiva. "Nunca me vi como um artista que criou trabalhos para serem expostos", disse. "Para mim, o livro é o resultado final." Se as pessoas que forem ao museu, sentirem vontade de ler, "vou achar que a mostra foi um sucesso."

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