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No deserto, em busca de pistas do universo

Por SIMON ROMERO

LLANO DE CHAJNANTOR, Chile - Os caminhões param na estrada que leva a este planalto no deserto do Atacama, a 5.058 metros de altitude, onde os cientistas estão instalando um dos maiores projetos astronômicos da Terra. As cabeças doem. Os narizes sangram. A tontura domina os pesquisadores que trabalham à sombra do vulcão Licancabur.

"E aí há o que chamamos de 'pernas de geleia'", disse o astrônomo espanhol Diego García-Appadoo. "Você se sente despedaçado, como se tivesse corrido uma maratona."

Mas as mesmas condições que deixam o Atacama -deserto mais seco do mundo- tão inóspito também o tornam atraente para a astronomia. O norte do Chile fica longe de grandes cidades, com pouca poluição visual. Seu clima árido impede que os sinais de rádio sejam absorvidos por gotículas de água. A altitude, equivalente a dos acampamentos que servem de base para escaladas no Everest, deixa os astrônomos mais perto do céu.

A construção da instalação, disse Jesús Mosterín, filósofo espanhol que escreve sobre as fronteiras entre ciência e filosofia, e que visitou o observatório em 2011, está ocorrendo no "único momento da história em que as janelas para o universo estão sendo escancaradas".

O Chile não é o único país a atrair grandes investimentos em projetos astronômicos. A África do Sul e a Austrália competem para receber um radiotelescópio ainda maior, a Instalação do Quilômetro Quadrado, que deve estar totalmente operacional em 2014. A China já começou a construir o seu próprio radiotelescópio de grande porte em uma espécie de cratera na província de Ghizhou (no sul do país).

A Grande Instalação Milimétrica/Submilimétrica do Atacama (Alma, na sigla em inglês) foi inaugurada em outubro e quanto estiver concluída, em 2013, terá 66 antenas espalhadas perto da cordilheira dos Andes. O projeto de US$ 1 bilhão, financiado principalmente pelos EUA, pelo Japão e por países europeus, permite que cientistas pesquisem aqui as origens do universo.

O Alma também fortalece a posição do Chile na vanguarda da astronomia. Vários observatórios já estão espalhados pelo Atacama, inclusive o de Cerro Paranal, onde em 2010 foi descoberta a maior estrela já observada. Além de ter condições naturais favoráveis, o Chile também atrai organizações internacionais de pesquisa por sua estabilidade econômica e jurídica.

Como outros radiotelescópios, o Alma não detecta a luz e sim ondas de rádio, permitindo que os pesquisadores estudem zonas do universo que são escuras, como as nuvens de gás frio a partir das quais as estrelas são formadas.

Com essa instalação, os astrônomos esperam ver onde as primeiras galáxias se formaram e talvez até identifiquem sistemas solares com condições para abrigar vida. Mas os cientistas aqui expressam cautela sobre as chances de encontrarem vida extraterrena, explicando que uma prova tão definitiva deve continuar sendo fugidia.

"Não seremos capazes de ver vida, mas talvez assinaturas de vida", disse o astrônomo holandês Thijs de Graauw, diretor do projeto. Apesar disso, os cientistas acreditam que o telescópio possibilitará saltos enormes na nossa compreensão do universo, permitindo a caçada pelos chamados marcadores de gás frio -as cinzas de estrelas explodidas num período que os astrônomos chamam de "aurora cósmica", alguns milhões de anos depois do Big Bang.

No Alma, a instalação de cada antena ainda é acompanhada com assombro. Duas carretas alemãs, cada uma com 28 pneus e motores equivalentes a dois carros de Fórmula 1, são usadas para transportar as antenas. Os caminhões, chamados Otto e Lore, parecem enormes centopeias mecânicas cruzando a paisagem desértica.

A crise financeira nos países industrializados, porém, gera temores de contingenciamento nas verbas para alguns projetos astronômicos ambiciosos.

"Seria muito triste para a humanidade se fôssemos tão espiritualmente decadentes a ponto de abdicar dos prazeres do conhecimento e da consciência", disse Mosterín. "Essas coisas fazem do ser humano de fato um animal muito interessante."

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