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Dor do Japão chega ao cinema

Culpa e dever ao contar as histórias dos sobreviventes

Por DENNIS LIM

O triplo desastre de 2011 no Japão já é um caso recorde nos anais do cinema-catástrofe. Meses depois dos poderosos terremoto e do tsunami de 11 de março que mataram milhares de pessoas e provocaram o derretimento de reatores na usina nuclear de Fukushima Daiichi, já havia filmes suficientes sobre o assunto para criar um subgênero.

No Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro, foram exibidos três documentários sobre o "dia seguinte" à catástrofe, tratando de temas como a limpeza dos destroços, a situação das pessoas retiradas dos locais atingidos e o ressurgimento do movimento antinuclear. A Japan Society, em Nova York, marcou o primeiro aniversário da tragédia com a exibição de filmes como "The Tsunami and the Cherry Blossom", curta-metragem documental de Lucy Walker que foi indicado para um Oscar, e "Pray for Japan", cujo diretor, Stu Levy, fez o filme enquanto trabalhava como voluntário na região atingida de Tohoku.

Essa nova vertente de cinema pós-traumático também inclui vários filmes de ficção, como "Women on the Edge", de Masahiro Kobayashi, em que três irmãs que viviam distanciadas se reencontram entre os destroços de sua cidade natal, e "Himizu", adaptação de um mangá sobre adolescentes problemáticos que foi reescrito pelo diretor Sion Sono para incorporar um pano de fundo de devastação verídica. Em outubro, o Festival Internacional de Cinema Documental de Yamagata exibiu 29 filmes sobre o terremoto, num programa intitulado "Cinema Conosco".

Alguns filmes sugerem impulsos mais profundos. "Tornou-se quase obrigatório fazer algo sobre o terremoto, a tal ponto que tratar de outro tema era visto quase como pecado", disse Toshi Fujiwara, cujo filme "No Man's Zone", sobre as cidades abandonadas na área de Fukushima, foi exibido em Berlim.

Chris Fujiwara, diretora artística do Festival Internacional de Cinema de Edimburgo e ex-professora da Universidade de Tóquio, observou que muitos dos filmes "tratam explicitamente ou fazem alusão a um contexto muito mais amplo e rico de compreensão do que o desastre revelou sobre a sociedade japonesa".

Alguns dos documentários exibidos em Yamagata provocaram discussões acirradas, revelou Asako Fujioka, diretora do festival em Tóquio. Ela disse que os filmes "revelam o mal-estar do cineasta dividido entre duas emoções: o desejo e o senso de dever de registrar a realidade e o sentimento de culpa por estar invadindo e tirando proveito da tragédia das vítimas".

Muitas das questões éticas envolvendo a documentação de desastres giram em torno da dificuldade de conciliar as perspectivas de pessoas de fora com as experiências das pessoas diretamente afetadas. Para Chris Fujiwara, no caso dos filmes sobre o 11 de março essas preocupações podem também "ser afetadas pelas noções culturais japonesas de decência e vergonha".

Em "311", um dos filmes mais controversos mostrados em Yamagata, quatro cineastas de Tóquio registram sua viagem à área de Fukushima. O que começou como uma "road trip" em tom de humor negro, com câmeras filmando medidores de radiação, torna-se perturbador quando eles entrevistam moradores traumatizados, documentam a retirada de corpos e são obrigados a pararem de filmar.

Nos últimos meses, o programa "Cinema Conosco" percorre o Japão. Fujioka disse que algumas plateias, sobretudo nas zonas de desastre, ficaram comovidas, mas que falta interesse em outras regiões. "As pessoas, especialmente os jovens, querem seguir adiante com a vida, agora que não estão correndo perigo", disse ela. "Sente-se um pouco de fadiga do desastre."

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