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Análise

Piratas digitais e a democracia

POR NICHOLAS KULISH

BERLIN - A primeira vez que prestei atenção de verdade aos piratas foi no verão passado, durante a campanha para a eleição municipal de Berlim. Na Alemanha, a propaganda política geralmente assume a forma de retratos coloridos dos candidatos pendurados em postes, com slogans sobre um futuro melhor.

"Afinal, por que estou pendurado aqui?", perguntava descaradamente um cartaz do Partido Pirata, no qual o rosto hirsuto e em preto e branco do candidato Christopher Lauer nem sorria nem fazia contato visual. "Você não vai votar mesmo."

Quando os piratas obtiveram surpreendentes 9% dos votos, fui à festa pós-eleitoral deles numa mal ajambrada casa noturna de Kreuzberg, tradicional bairro da contracultura.

"Somos um bando caótico de cyber-hippies e assim devemos continuar", disse Oliver Höfinghoff, ex-militar que passou duas temporadas em Kosovo e estava prestes a tomar posse na Câmara Municipal.

Os piratas são conhecidos principalmente como um partido de um tema só, a liberdade na internet, mas Höfinghoff explicou que qualquer assunto pode ser debatido, redigido, emendado e votado por seus membros pela rede.

O Partido Pirata foi fundado em 1° de janeiro de 2006 na Suécia pelo ex-empresário de software Rick Falkvinge, com a meta de reformar as leis de patentes e direitos autorais e fortalecer a privacidade on-line. Ele ganhou visibilidade depois que a polícia sueca fez buscas no popular site de compartilhamento de arquivos The Pirate Bay, em maio daquele ano. Em setembro, uma filial alemã já estava formada. Seis anos depois, Falkvinge diz haver mais de 50 Partidos Piratas no mundo.

"A linguagem escrita permitiu que as pessoas se comunicassem ao longo do tempo. A impressão alcançou as pessoas em massa", me disse Falkvinge em Berlim. "A internet transformou receptores passivos em uma comunidade ativa."

A Alemanha possui postos avançados do movimento Ocupe, principalmente em Frankfurt e Berlim, mas a preocupação política do país tem sido o desafio organizado dentro do sistema, que é o Partido Pirata.

"Nós, alemães, nunca fomos os maiores revolucionários", disse o candidato Marc Olejak, 40, recentemente fazendo campanha em Düsseldorf, capital da Renânia do Norte-Vestfália,. "Em vez de queimar barricadas, a gente funda partidos."

Uma pesquisa recente mostrou que quase um terço dos alemães estaria disposto a votar nos piratas; em algumas sondagens, eles chegam a despontar à frente dos verdes como o terceiro partido mais popular.

O Partido Verde já foi composto por ativistas insurgentes na cena política. Agora os membros fundadores da geração de 68 começam a se aposentar, enquanto os apoiadores do Partido Pirata são mais jovens e familiarizados com a internet, uma mistura de eleitores de primeira viagem e membros desencantados dos demais partidos.

Já houve dores do crescimento, especialmente quando no mês passado o líder da bancada no legislativo berlinense, Martin Delius, declarou à "Der Spiegel" que "a ascensão do Partido Pirata é tão rápida quanto a do NSDAP [partido nazista] entre 1928 e 1933".

Esse é o tipo de comentário que deixa o sistema político ainda mais desconfiado em relação aos recém-chegados, com suas referências ao game World of Warcraft e suas onipresentes garrafas de Club-Mate, bebida alemã à base de ervas que é muito popular entre hackers e nos lugares de música eletrônica.

A comparação com os nazistas foi particularmente inoportuna porque simpatias ultradireitistas de vários membros do Partido Pirata recentemente vieram à tona, motivando um debate nacional sobre se o avassalador crescimento do partido -as filiações mais do que duplicaram, superando as 29 mil, desde a eleição de setembro em Berlim- não teria atraído para o grupo muitos elementos radicais marginalizados.

Embora Olejak trabalhe com tipos gráficos, ele diz que as fontes do material partidário são escolhidas por uma comissão on-line. Um dos seus companheiros contou ter mergulhado em leis e análises jurídicas para se tornar um especialista em direito autoral.

São pessoas que leem aqueles longos avisos de privacidade, enquanto nós culpadamente clicamos "OK" e tentamos esquecer quando postamos fotos íntimas de parentes e amigos num site destinado a gerar lucros para uma corporação.

Para eles, a política e suas milhares de páginas de legislação são realmente as letras miúdas do contrato social.

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