Índice geral New York Times
New York Times
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Conflitos atrasam obras no Brasil

Trabalhadores se queixam em obras na Amazônia

NOAH FRIEDMAN-RUDOVSKY PARA THE NEW YORK TIMES
Operários que constroem a usina de Jirau (RO) se queixam dos baixos salários e dos alojamentos lotados
Operários que constroem a usina de Jirau (RO) se queixam dos baixos salários e dos alojamentos lotados

POR SIMON ROMERO

JACI PARANÁ, Brasil - A revolta às margens do rio Madeira, maior afluente do Amazonas, pegou fogo ao entardecer. Ao fim de uma greve que durou 26 dias no mês passado, uma parte dos 17 mil operários daqui, irritados com seus salários e alojamentos, começou a atear fogo nas obras da usina de Jirau.

Noite adentro, queimaram mais de 30 edificações e saquearam lojas da companhia, registrando o tumulto com seus celulares, antes que os bombeiros debelassem as labaredas. As autoridades em Brasília mobilizaram centenas de soldados de uma força de elite para acalmar a situação.

Homens com fardas camufladas ainda patrulham o enorme canteiro de obras, refletindo um dilema para os governantes brasileiros. Num momento em que eles agem para explorar uma das últimas grandes reservas mundiais de energia hidrelétrica, a Bacia Amazônica, greves e rebeliões nos maiores projetos provocam atrasos e estouros orçamentários.

"Ninguém queima nada se estiver satisfeito", disse o sindicalista Altair Donizete de Oliveira. Ele citou os baixos salários, os alojamentos lotados e as poucas folgas para visitas dos operários às suas famílias entre as queixas que estariam contribuindo para a insatisfação de dezenas de milhares de operários em vários canteiros da Amazônia.

As autoridades preveem que pelo menos 20 hidrelétricas importantes serão construídas na próxima década no Brasil. A economia de Rondônia, onde ficam Jirau e Santo Antônio, foi a que mais cresceu no Brasil em 2011: 7,3%.

Em outro ponto da Amazônia, já começaram as obras do maior projeto de barragem do Brasil, o da usina de Belo Monte, que irá desviar o curso do rio Xingu e custará mais de US$ 12 bilhões.

O avanço dos projetos expôs o Brasil a críticas de grupos ambientalistas, devido ao deslocamento de povos indígenas e a inundação da floresta. Mas as autoridades argumentam que o Brasil precisa das usinas para atender à sua demanda energética, que deve crescer 56% até 2021.

Os vários distúrbios em Jirau já causaram um atraso de meses na obra. Recentemente, greves paralisaram o trabalho também na usina de Santo Antônio, igualmente no rio Madeira, e em Belo Monte, para onde milhares de operários já foram alocados na remota cidade paraense de Altamira.

Preocupações com um efeito dominó de agitação trabalhista em outros grandes projetos de infraestrutura vêm ganhando força, já que os operários reivindicam aumentos salariais num momento em que o desemprego no Brasil, em 6,2%, está num nível historicamente baixo.

Sindicalistas locais dizem que as informações sobre estratégias para obter melhores salários e benefícios se espalham rapidamente por mensagens de celular e por e-mail entre os grupos que trabalham em cantos opostos da Amazônia, o que permite que os sindicatos rapidamente exerçam pressão sobre os patrões.

Embora o Brasil venha reduzindo as desigualdades dentro das suas fronteiras, os salários para trabalhadores braçais ainda são bem inferiores aos de países industrializados mais ricos. Os salários iniciais na usina de Jirau giram em torno de US$ 525 por mês, num país onde o custo de vida rivaliza com o dos Estados Unidos.

"Meu pagamento aqui é uma desgraça, metade do que eu tirava em Angola", disse o operário João Batista Barbosa Arce, 29, que chegou a Jirau após trabalhar para uma empreiteira brasileira na construção de uma barragem na África.

Executivos responsáveis pelo projeto da usina contestam a tese de que os salários em Jirau seriam baixos demais para os padrões brasileiros, ou que as condições de habitação sejam precárias, e dizem que os operários têm acesso a LAN houses, academias de ginástica, piscinas e cinemas.

"Todos os esforços são feitos para humanizar as condições para os milhares de homens e mulheres trabalhando aqui", disse José Lucio de Arruda, diretor do consórcio que irá operar Jirau, controlado pela gigante energética francesa GDF Suez em parceria com duas estatais elétricas brasileiras e com a construtora Camargo Corrêa.

A previsão é de que Jirau comece a gerar energia em 2013. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tem monitorado de perto a situação e centenas de agentes da Força Nacional de Segurança Pública percorrem o canteiro de obras em caminhões.

"É claro que não me sinto inteiramente segura aqui", disse Leonice Layanoya, 50, balconista de uma loja saqueada em Jirau durante o recente tumulto. Apesar disso, ela planeja se mudar para Belo Monte, na esperança de encontrar trabalho no maior projeto da Amazônia.

"São lugares assustadores", disse Layanoya, "mas que alternativa eu tenho senão seguir o dinheiro?".

Lis Horta Moriconi colaborou do Rio de Janeiro

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.