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Inteligência - Roger Cohen

Uma união maior

Ao prever um desastre, pense na África do Sul

Johannesburgo

O breve alívio das dificuldades do euro terminou. Mais uma vez há murmúrios insistentes sobre uma saída da Grécia da moeda comum. Os europeus estão irritados. Essa raiva aparece em uma série de votos contra o governo na França, na Grécia e na Alemanha. Os eleitores querem o fim da austeridade e alguma fórmula mágica que lhes permita gastar para sair de uma crise na qual entraram por causa dos gastos.

No banco JPMorgan Chase, grandes investimentos em negócios complexos, que inicialmente geraram altos lucros, afinal levaram a um prejuízo de US$ 2 bilhões. Quatro anos depois da fusão de 2008, parece que procedimentos efetivos de gestão de riscos ainda não foram implementados nos bancos americanos, uma omissão surpreendente. Os bancos sentados sobre caixas maciços preferem criar fundos hedge a fazer investimentos na economia real, porque as oportunidades parecem escassas.

Em suma, não há muito para o Ocidente comemorar. As coisas parecem difíceis.

De uma perspectiva, isso também vale para a África do Sul, onde o desemprego é alto, a corrupção domina, o crime é persistente e a pobreza generalizada. Mas não posso deixar de ver este país sob uma luz positiva. Existem qualidades intangíveis nas nações, coisas que não podem ser quantificadas e que determinam sua capacidade de progredir. Entre elas estão sua capacidade de absorver imigrantes, de se adaptar sem violência a mudanças súbitas, a solidez de suas instituições democráticas e sua liberdade de expressão. Em todas essas áreas, a África do Sul tem notas altas.

Vejo-me pensando nisso sempre que, como hoje, torna-se moda prever desastres. Eu morei aqui quando criança durante um ano e em toda a minha juventude vim da Inglaterra para a terra natal de meus pais. A África do Sul entrou em meu sangue: os jacarandás floridos, as palmeiras envoltas em buganvíleas, os pêssegos amarelos do Cabo, o peixe frito e a carne grelhada, o arco do sol estendendo-se até o horizonte distante. Depois do céu cinzento e úmido da Inglaterra, as cores eram vívidas e a vida, intensa.

Mas havia uma contramaré ameaçadora. Eu senti o racismo antes de poder compreendê-lo. Ficava intrigado com os meninos negros nadando nas águas oleosas de um pequeno porto na área de Kalk Bay na Cidade do Cabo, quando havia quilômetros de praias douradas ali perto. Então, um dia vi a placa "Só para brancos". Parentes me diziam para gozar as piscinas dos subúrbios ricos de Joanesburgo porque dentro de alguns anos elas estariam vermelhas com o sangue do cataclismo esperado. Um dia o "apartheid" cairia, a maioria negra se ergueria em fúria e os brancos fugiriam. Não havia como retribuir de outro modo o sistema maligno.

É claro que os fatos não se desenrolaram dessa maneira. Um homem negro saiu da prisão com um novo princípio, em vez de vingança, em sua mente. Um homem branco teve a coragem de abandonar o regime baseado no abuso. O poder passou para o Congresso Nacional Africano, um dos partidos políticos mais notáveis e duradouros de todo o mundo. Quase 20 anos depois, a África do Sul ainda luta, mas com uma atitude corajosa que não se vê no Ocidente. Existe uma sensação -como no Brasil e na Índia- de um futuro que encerra mais promessas que ameaças.

Outro dia eu voltei ao antigo colégio de minha mãe, uma instituição fundada em 1887. A escola de meninas foi criação de Barney Barnato (nascido Barney Isaacs em Londres), que doou sua mansão. Ele veio para a África do Sul em 1873 e fez uma enorme fortuna, primeiro com diamantes e depois na corrida do ouro, antes de desaparecer misteriosamente do navio em uma viagem de volta ao Reino Unido em 1897. Durante muito tempo, o Colégio Barnato Park, criação de um imigrante judeu, dedicou-se a produzir jovens brancas com bom comportamento e uma sólida educação nos clássicos.

Hoje é uma escola mista com mil alunos. A antiga mansão quase desapareceu. O bairro é pobre, cheio de imigrantes da Nigéria, do Zimbábue e do Congo. Dos mil estudantes, 999 são negros. Eu falei com a única menina branca, de 13 anos. Ela está na escola há um ano, e me disse que nunca teve um problema e hoje nem sequer nota que todos os seus colegas são negros. "Foi estranho no primeiro dia, mas eu logo esqueci da minha aparência diferente."

O pior não é inevitável, como a África do Sul demonstra hoje. E o melhor não é alcançável. A União Europeia, à sua própria maneira, também foi um milagre, trazendo paz aonde houve guerra para gerações de europeus.

A criação do euro foi a mais elevada -mesmo que, em retrospectiva, a mais arriscada- expressão do esforço por uma união cada vez maior. Vale a pena lembrar esses ideais hoje, e os imensos benefícios que eles geraram. A saída grega do euro poderia parecer uma solução rápida. Mas suspeito de que levaria a um terrível desfecho.

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