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Na nova fronteira do Sudão, apelos por guerra

Por JOSH KRON
MAYOM WEL, Sudão do Sul - Em uma manhã de extremo calor, esta aldeia dançava em um campo aberto. As mulheres rebolavam, segurando cadeiras sobre suas cabeças. Crianças descalças corriam para todo lado. Velhos com a pele seca e rachada como a casca de uma árvore da savana erguiam rifles para o céu flamejante.

"Não somos covardes, não temos medo!", gritou o delegado local, Awet Kiir Awet. "Contribuam com comida, contribuam com dinheiro", pedia ele à multidão.

Os anos de conflito no Sudão do Sul deveriam ter terminado quando ele conquistou a independência do Sudão em julho passado, depois de gerações de luta com a população do norte. Mas a alegria logo se dissipou, e agora, menos de um ano depois, após semanas de lanças apontadas e escaramuças na fronteira, esse vasto país subdesenvolvido mais uma vez se mobiliza para a guerra -e pede a algumas das pessoas mais pobres da terra que paguem por ela, com o que puderem dispor.

Os aldeões se adiantam um após o outro, entregando pacotes de tabaco, sacos de farinha, cabras, amendoins e notas amassadas de US$ 2 -o que não é pouco aqui. Ao mesmo tempo, dezenas de jovens de toda a área se alistaram para ser soldados, ansiosos para correr para o fronte.

O Sudão e o Sudão do Sul ainda precisam resolver diversas questões vitais, uma das quais é como demarcar uma fronteira de mais de 1.600 km e dividir bilhões de dólares de receita do petróleo. Os choques de fronteira cresceram no fim de março, matando centenas de pessoas, e campos de petróleo mudaram de mãos.

Os Estados Unidos, a União Africana e a ONU pressionaram os dois lados para encerrar a luta, dizendo que a última coisa de que essa região precisa é mais um grande conflito. O Sudão e o Sudão do Sul concordaram em princípio nos últimos dias a retornar à mesa de negociação, mas autoridades do Sul dizem que o Sudão continua bombardeando áreas ao longo da fronteira. A maioria dos sul-sudaneses, incluindo autoridades graduadas, agora estão convencidos de que novas lutas são inevitáveis.

"Cartum definitivamente nos atacará", disse o vice-presidente do Sudão do Sul, Riek Machar, que lidera o esforço nacional de mobilização. "Esta é a nossa história, esta é a nossa maneira tradicional de enfrentar os problemas."

Em Juba, capital do Sudão do Sul, representantes do governo vão de hotel em hotel obrigando os gerentes a doar mil libras cada -cerca de US$ 370- ou produtos básicos como carvão e feijão. Qualquer coisa, de óleo de cozinha a combatentes, é bem-vinda. Em Rumbek, cerca de 660 km ao norte, mais de 850 jovens se alistaram no Exército. Em Warrap, um Estado de fronteira vizinho à região disputada de Abyei, mais de 3.000 jovens se alistaram.

O presidente Salva Kiir gosta de retratar seu país como em desvantagem e disse que o Sudão do Sul é "como uma criança que tem só dois dentes, um em cima e outro embaixo, que crescerão e morderão aquele homem", referindo-se a seu inimigo, o ditador do Sudão, Omar Bashir.

Os dois lados, ao que parece, estão se preparando para um grande conflito. Em Cartum, capital do Sudão, o governo ordenou que parte dos salários dos funcionários públicos seja desviado para os militares -assim como fez o Sul. E assim como o Sul Cartum está tentando promover uma iniciativa de guerra popular, pedindo que os cidadãos doem comida, produtos e outros bens para a defesa da nação.

As áreas de fronteira do Sudão do Sul, como Mayom Wel, suportaram o pior das duas guerras civis entre o sul e o norte. A primeira começou nos anos 1950 e a segunda só terminou quando um tratado de paz apoiado pela comunidade internacional foi assinado em 2005. Nas gerações intermediárias, as aldeias foram queimadas, crianças escravizadas e jovens conhecidos como os Meninos Perdidos vagaram por centenas de quilômetros em busca de segurança.

Em um comício neste mês em Mayom Wel, os chefes locais, muitos dos quais lutaram na primeira guerra de libertação do Sudão do Sul, sentaram-se enquanto cerca de cem aldeões se reuniam.

Então, eles pediram a ajuda da comunidade. Na sequência, um microcosmo da aldeia pegou o microfone para declarar o que poderiam dar: 11 cabras, seis vacas, uma galinha, três sacos de sorgo, cerca de 5 kg de farinha, três garrafas de álcool feito em casa, três rolos de tabaco e 1.207 libras do Sudão do Sul, cerca de US$ 350. Em todo o Sudão do Sul, milhares de libras foram coletadas.

Em Mayom Wel, muitos dos rapazes que se inscreveram como soldados o fizeram sem promessa de salário. "Quando pegamos em armas contra Cartum não havia salário, não havia comida nem água", disse Gabriel Bol Duth, outro líder da mobilização. "Nós lutamos contra eles porque queríamos liberdade."

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