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Na Líbia, luta para recuperar imóveis desapropriados

Por ROBERT F. WORTH
TRÍPOLI, Líbia - Ibrahim Tunali nunca esqueceu o dia de 1981 em que soldados do governo tomaram sua loja de malas e a deram a um partidário do coronel Muammar Gaddafi, em uma das inúmeras desapropriações feitas naquela época.

Quando Gaddafi foi morto, em outubro, Tunali foi até sua antiga loja, acompanhado de parentes armados, e disse ao homem que alugava o imóvel: "Se você não tiver sumido em dois dias, vamos matá-lo aqui mesmo". O homem fugiu em questão de horas.

Um dos legados mais tóxicos deixados por Gaddafi é a extensa política de redistribuição de terras que ele iniciou no fim dos anos 1970 e que agora ameaça desencadear uma colcha de retalhos de disputas acirradas em torno de imóveis, em meio a uma população armada.

Muitos proprietários nutrem ressentimentos profundos há mais de 30 anos e exibem títulos de propriedade que datam dos tempos da ocupação italiana, no início do século 20, ou até mesmo da era otomana. Alguns, que viviam no exterior, retornaram à Líbia para reivindicar seus bens.

Em muitos casos, porém, os ocupantes atuais não têm para onde ir, e alguns ostentam seus próprios documentos.

O departamento principal de registros mobiliários da Líbia foi destruído num incêndio no início dos anos 1980 e muitos líbios dizem acreditar que o incidente foi um esforço proposital de Gaddafi para semear a confusão em torno da propriedade de imóveis.

Os desafios da Líbia são intensificados pelas autoridades de transição fracas e a ausência de um sistema jurídico operacional.

"Alguma coisa precisa ser feita, mas não podemos simplesmente chegar e jogar essas pessoas na rua", comentou Mustafa Abushagur, vice-primeiro-ministro do governo líbio de transição. "Estamos pedindo paciência às pessoas. Eu também perdi imóveis."

Em 1978, Gaddafi promulgou a lei n° 4, que afirmava o princípio de "a casa para seu morador". Isso significava que os líbios podiam possuir apenas a casa na qual viviam; todos os outros imóveis deviam ser entregues ao Estado, o que, na prática, significava que eram dados a membros dos Comitês Revolucionários. Leis semelhantes privaram líbios de suas lojas, prédios de escritórios, fábricas e terras agrícolas.

Em muitos casos os donos originais protestaram e foram encarcerados ou moveram ações na Justiça para contestar as desapropriações. Em alguns casos os tribunais deferiram seus pedidos, mas não podiam fazer nada para implementar suas decisões.

Muitos querelantes originais estão se organizando e pedindo que o governo de transição tome uma atitude antes das eleições nacionais previstas para 21 de junho, porque temem que a questão possa ser politizada, levando proprietários frustrados a fazer Justiça com as próprias mãos.

"Estamos tentando frear as pessoas, para que não recorram à força", disse Shaker Dakhil, que fundou um grupo nacional de proprietários que conta com mais de 3.000 integrantes. "Mas as pessoas estão perdendo a paciência. Essas leis precisam ser anuladas."

Dakhil, que passou 34 anos nos EUA trabalhando como engenheiro, já afirmou acreditar que seriam precisos pelo menos US$ 15 bilhões para compensar os líbios cujos bens foram desapropriados. Ele passou anos pesquisando documentos de propriedade.

Após a queda do governo de Gaddafi, no ano passado, Dakhil e seus parentes recuperaram um terreno com uma casa grande confiscados três décadas antes. Então, em março, ele chegou à casa e descobriu a mulher de um conhecido partidário de Gaddafi sentada em seu interior com uma dúzia de milicianos armados. Ela tinha trazido seus próprios documentos e convencido os milicianos de que o imóvel era dela.

Dakhil então convocou um grupo de parentes e vizinhos que foram ao imóvel e deram seus depoimentos, confirmando que a casa e o terreno pertenciam a ele. Após um impasse breve e tenso, os milicianos recuaram e a mulher partiu para o Egito. Alguns dias depois, porém, disse Dakhil, chegou um homem afirmando que a mulher vendera o imóvel a ele.

"Esse fenômeno vem se alastrando", disse Dakhil, que fez de seu novo escritório um centro de recepção de queixas de proprietários originais de imóveis. "Pessoas estão conseguindo documentos falsos e alegando que são donas de imóveis."

Seis anos atrás, o governo de Gaddafi lançou um programa para indenizar alguns dos donos originais, sob a direção de Saif Islam Gaddafi, filho e então provável herdeiro do ditador. Mas, segundo a maioria dos proprietários e do juiz Yussef Hanesh, que comandou o programa, os resultados foram parcos. A maioria não aceitou indenizações.

Para ele, "esta questão precisa ser tratada agora para que os antigos proprietários não percam as esperanças e para que os ocupantes não pensem que Gaddafi foi melhor para eles que o novo governo".

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