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Tendências Mundiais

Vínculos com líderes permitem enriquecimento de 'príncipes'

PC criou um sistema de capitalismo clientelista na China

Por DAVID BARBOZA e SHARON LaFRANIERE

XANGAI - O estúdio de Hollywood DreamWorks Animation anunciou recentemente uma iniciativa ousada para penetrar na indústria cinematográfica chinesa, fortemente protegida: um acordo de US$ 330 milhões para criar um estúdio de animação em Xangai que possa algum dia rivalizar com os estabelecimentos da Califórnia dos quais saem sucessos de bilheteria como "Kung Fu Panda" e "Os Incríveis".

Mas algo para o qual a DreamWorks não chamou a atenção foi um de seus sócios chineses mais novos e importantes: Jiang Mianheng, o filho de 61 anos de idade do ex-presidente Jiang Zemin.

Analistas afirmam que é assim que o Partido Comunista divide os lucros: permitindo que familiares de líderes seniores lucrem com um dos maiores booms econômicos da história chinesa.

As autoridades se apressam a retratar Bo Xilai -líder deposto que foi um dos 25 membros do Politburo, que governa a China- como um operador fora da lei que abusou do poder, ao mesmo tempo em que seus familiares acumulavam uma fortuna substancial.

Mas os familiares de outros líderes seniores atuais e anteriores também acumularam fortunas enormes, em muitos casos exercendo papéis importantes em empresas e setores estreitamente vinculados ao Estado. Muitos desses chamados "pequenos príncipes" atuam também como intermediários de um grande número de empresas globais ansiosas por fazer negócios na China.

"Sempre que há algo lucrativo surgindo na economia, os 'pequenos príncipes' estão nos primeiros lugares da fila", disse Minxin Pei, especialista em liderança chinesa e professor de governo na Faculdade Claremont McKenna, na Califórnia.

Wen Yunsong, filho do primeiro-ministro Wen Jiabao, comanda uma estatal que em breve será a maior operadora de comunicações por satélite na Ásia. O filho do presidente Hu Jintao, Hu Haifeng, administrou uma empresa controlada pelo Estado que exercia monopólio sobre aparelhos de scanning de segurança. E, em 2006, Feng Shaodong, genro de Wu Bangguo, o segundo mais alto funcionário do partido, ajudou o banco Merrill Lynch a conseguir um contrato para administrar a oferta pública de ações, no valor de US$ 22 bilhões, do gigantesco banco estatal ICBC.

O sistema de divisão dos espólios cria um desafio fundamental à legitimidade do Partido Comunista. Analistas dizem que, à medida que os negócios do Estado vêm sendo mais e mais vinculados a uma classe de famílias descrita como a Nobreza Vermelha, cresce a possibilidade de uma reação pública contra essa elite.

Ao mesmo tempo, muitas empresas se gabam abertamente de terem vantagens competitivas devido a vínculos com a elite política chinesa.

Uma empresa chinesa de moda esportiva chamada Xidelong informou alguns investidores potenciais que um de seus acionistas é o filho de Wen Jiabao, segundo informação de um dos investidores. "Existem inúmeras maneiras de formar parcerias com as famílias de quem está no poder", disse um executivo de finanças que trabalhou com os parentes de líderes seniores. "Basta incluí-los em sua transação. Isso é perfeitamente legal."

O Partido Comunista já promoveu várias revisões de seus códigos de ética e endureceu as normas sobre divulgação de informações financeiras. Mas os relatórios continuam a ser secretos, e é pouco provável que o partido aja de modo mais incisivo.

Nas duas últimas décadas, os negócios e a política passaram a ser tão fortemente interligados que, na prática, o Partido Comunista criou um sistema de capitalismo clientelista. "Eles não querem levar esse fato a público", disse o sinólogo Roderick MacFarquhar, da Universidade Harvard. "Seria um tsunami."

Há temores crescentes de que a cultura de nepotismo e privilégios alimentada no topo do sistema tenha fluído para seus degraus inferiores.

"Depois de algum tempo você percebe que, na realidade, existem 'pequenos príncipes' aos montes por aí afora", disse Victor Shih, estudioso da China na Universidade Northwestern, em Chicago. "Há os filhos de funcionários atuais, os filhos de funcionários anteriores, os filhos de funcionários locais, funcionários centrais, oficiais militares, funcionários da polícia. Estamos falando em centenas de milhares de pessoas, todas tentando usar seus contatos para ganhar dinheiro."

Os líderes de alto escalão regularmente fazem críticas públicas a funcionários flagrados apropriando-se indevidamente de recursos públicos.

Mas artigos sobre o assunto na imprensa estrangeira são ignorados pela mídia chinesa e bloqueados pela censura da internet. Foi o caso de uma reportagem de 2010 noticiando que Zeng Wei, filho do ex-vice-presidente chinês Zeng Qinghong, tinha comprado uma mansão de US$ 32 milhões em Sydney, na Austrália.

É comum que alegações de suborno e corrupção sejam feitas contra líderes de alto escalão que caíram em desgraça política. A recente queda de Bo Xilai, por exemplo, se deu depois de seu antigo chefe de polícia em Chongqing ter contado a diplomatas americanos que a mulher de Bo, Gu Kailai, tinha ordenado o assassinato do empresário britânico Neil Heywood. Vieram à tona provas de pelo menos US$ 160 milhões em ativos nas mãos de parentes próximos de Bo Xilai, e as autoridades investigam a possibilidade de outros bens terem sido levados para fora do país.

Wen Jiabao, o primeiro-ministro, reagiu exigindo uma repressão mais decidida à corrupção. O "Diário do Povo", jornal oficial do Partido Comunista, denunciou os caçadores de fortunas que contrabandeiam lucros de origem obscura para fora do país.

Magnatas chineses vêm sendo recebidos de braços abertos, mas sem alarde, nas famílias de líderes seniores, em muitos casos através de parcerias secretas em que os filhos, filhas, cônjuges e parentes próximos atuam como intermediários ou investidores em projetos imobiliários ou outros que requerem a aprovação ou o apoio do governo. A informação é de investidores que já estiveram envolvidos em transações desse tipo.

Recentemente, os filhos da elite política passaram a atuar em empreendimentos financeiros de alto valor como fundos de "private equity" (participação em empresas), em que os retornos potenciais superam de longe as recompensas possíveis por atuar como intermediário em contratos governamentais ou ocupar um cargo executivo numa estatal.

Jeffrey Zeng, filho do ex-membro do Politburo Zeng Peiyan, é sócio-gerente da Kaixin Investments, empresa de capital de investimentos criada com duas entidades estatais, o China Development Bank e a Citic Capital. Liu Lefei, filho de outro membro do Politburo, Liu Yunshan, ajuda a operar o fundo de "private equity" Citic Private, de US$ 4,8 bilhões, um dos maiores fundos sob administração estatal.

No ano passado, Alvin Jiang, neto de Jiang Zemin, ajudou a criar a Boyu Capital, empresa de "private equity" que está a caminho de levantar pelo menos US$ 1 bilhão.

Mais recentemente, com o Partido Comunista prometendo uma revisão nos setores de mídia e cultural do país, os parentes da elite política chinesa estão na primeira fila da multidão que disputa um espaço nesta área.

O anúncio, em fevereiro, do acordo entre a DreamWorks e três sócias chinesas, incluindo a Shanghai Alliance Investment, foi feito nesse momento para coincidir com a visita aos Estados Unidos de Xi Jinping, o vice-presidente e provável próximo presidente da China. O release não mencionou o fato de que a Shanghai Alliance é controlada em parte por Jiang, filho do ex-presidente Jiang Zemin.

Zeng Qinghuai, irmão do ex-vice-presidente Zeng Qinghong, também atua no setor do cinema.

O economista Zhao Xiao, da Universidade de Ciência e Tecnologia, em Pequim, resumiu a situação dos príncipes": "Eles estão presentes por toda parte, desde que o setor seja rentável".

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