Índice geral New York Times
New York Times
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Análise

Israel discute quem deve combater

Por JODI RUDOREN

JERUSALÉM - Como o primeiro rabino-chefe do moderno Estado de Israel, Isaac Herzog ajudou a convencer o então primeiro-ministro David Ben-Gurion a isentar 400 homens ultraortodoxos do serviço militar, para que pudessem estudar em tempo integral em yeshivás (seminários religiosos).

"Após a medonha Shoah, na qual foram exterminados dezenas de milhares de estudantes, professores e sábios na Europa", escreveu o rabino Herzog em 1949, "eles devem ser isentados do serviço militar para permitir que esses poucos continuem a estudar nossa sagrada Torá, o que também é uma necessidade e uma honra para nosso Estado."

No entanto, quando seu próprio filho Chaim quis abandonar a yeshivá para dedicar sua vida às recém-criadas Forças de Defesa de Israel, o rabino Herzog ficou entusiasmado. "Seu pai lhe disse 'se você não vai ser rabino, não existe honra maior que ser um oficial do Exército do Estado judaico'", recordou o filho de Chaim, também chamado Isaac e hoje deputado do Partido Trabalhista no Parlamento israelense.

Chaim Herzog tornou-se um general importante do Exército e mais tarde foi presidente de Israel. Enquanto isso, a brecha aberta permitiu que os 400 estudantes originais de yeshivás se convertessem em cerca de 58 mil judeus ortodoxos em idade de recrutamento militar que escapam do Exército todos os anos. Falando do avô, o Isaac Herzog mais jovem disse: "Ele pensaria que a situação já foi longe demais".

A questão do que fazer com os ultraortodoxos -conhecidos como haredim- e o Exército já chegou "ao ponto de ebulição, a uma crise moral", nas palavras de Moshe Halbertal, professor de filosofia judaica na Universidade Hebraica.

Em fevereiro, a Suprema Corte israelense declarou que a isenção do serviço militar fere a Constituição. O novo governo de união formado no início de maio citou como sua primeira prioridade reescrever a medida até agosto.

A batalha sobre o serviço militar, na realidade, demonstra uma disputa sobre a própria identidade israelense. Ela pode representar uma divisão que alguns enxergam como uma ameaça muito maior ao futuro do Estado israelense do que são seus inimigos externos.

Hoje os haredim compõem cerca de 9% da população, mas, segundo algumas estimativas, eles são os destinatários de até metade dos gastos da Previdência. Cerca de 35% dos homens haredim participam da força de trabalho, e as escolas dos haredim enfatizam o estudo da Torá às expensas da matemática, inglês e ciências. A fertilidade astronômica dos haredim agrava a situação: segundo estimativa recente de um demógrafo, até 2030 esta comunidade fechada vai compor perto de um quarto da população israelense, algo visto como insustentável.

Menachem Friedman, professor emérito de sociologia na Universidade Bar Ilan, declarou: "O fato de, no Estado judaico, as pessoas ainda enxergarem os ultraortodoxos como 'o inimigo' é uma coisa trágica. A maioria da população odeia os haredim".

O professor Friedman descreveu a situação atual como "bizarra", "anormal" e "sem precedentes na história judaica". A Torá não isenta os estudantes de yeshivás do serviço militar ou da força de trabalho, e todos os sábios da história exerceram profissões comuns: Moisés Ben Maimon, conhecido no Ocidente como Maimônides, era médico.

A maioria concordou que, após o Holocausto, foi importante restaurar a comunidade haredi dizimada, mas "esta estratégia defensiva não faz sentido em um momento em que a comunidade está em franca expansão", disse o professor Halbertal.

Um rabino haredi, Shmuel Jacobovits, do Instituto Torá de Questões Contemporâneas, reconheceu que a situação é "antinatural". No entanto, ele acredita que é essencial que os haredim estudem em yeshivás, porque outros judeus não são suficientemente comprometidos com o estudo da Torá, "a função primordial, a finalidade e a razão de ser do povo judaico", segundo ele.

Herzog -filho de um presidente de Israel e neto de um grão-rabino- participou da comissão que estabeleceu a lei de isenção do serviço militar. Ele sugeriu que hoje 4.000 estudantes de yeshivás sejam isentos do serviço militar. Seria uma versão dos 400 de Ben-Gurion, ajustada para a população israelense atual.

Ele é mais otimista que a maioria em relação a esse assunto, apontando para o número crescente de haredim que atuam em unidades especializadas do Exército, estudam em universidades seculares e ingressam na força de trabalho: "Não é uma revolução, mas uma evolução".

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.