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Análise

Sentimento xenófobo cresce na China

Por ANDREW JACOBS

PEQUIM - Como anfitrião de um programa de entrevistas na televisão chinesa, Yang Rui, que fala inglês, gosta de pensar em si mesmo como uma ponte entre o Oriente e o Ocidente, e orgulha-se de seu diploma em comunicações pela Universidade de Cardiff, no País de Gales (Reino Unido).

Seu programa na TV estatal CCTV, "Diálogo", costuma receber convidados chineses e estrangeiros. No entanto, recentemente, Yang revelou outro lado de sua personalidade em uma torrente de mensagens em um microblog em que chamava alguns estrangeiros de "lixo" e acusava os ocidentais de seduzir as chinesas na tentativa de espionar o país.

"O Ministério da Segurança Pública deve limpar o lixo estrangeiro, prender bandidos estrangeiros e proteger garotas inocentes", escreveu para seus 820 mil seguidores. "Decapitem as cobras, os americanos e europeus desempregados que vêm à China para ganhar dinheiro, fazer tráfico humano e enganar o público incentivando-o a emigrar."

Os comentários de Yang agravaram uma onda cada vez mais sólida de hostilidade contra os estrangeiros na China, que coexiste silenciosa e paradoxalmente com uma efusiva admiração pelo Ocidente. Duas situações complicadas envolvendo estrangeiros ajudaram a atiçar a antipatia.

Em uma delas, o violoncelista russo Oleg Vedernikov, membro da Orquestra Sinfônica de Pequim, foi filmado em vídeo usando linguagem chula contra uma passageira de trem que reclamou por ele ter colocado seus pés nus sobre o banco dela. Apesar de uma desculpa gravada em vídeo, ele foi demitido.

O caso mais sério envolveu um turista britânico embriagado que, ao que parece, atacou sexualmente uma chinesa em uma rua de Pequim. O vídeo, também publicado na Internet, mostrou um grupo de passantes agredindo o homem até ele ficar inconsciente.

Nos dias seguintes, a polícia de Pequim anunciou uma campanha de cem dias para livrar o país de estrangeiros que vivem ou trabalham ilegalmente na China. A iniciativa, promovida através de faixas e artigos na mídia estatal, incentivava os cidadãos a delatar às autoridades os suspeitos de violar a lei.

Por coincidência ou não, a campanha se soma a uma onda de ataques na mídia oficial. A agência de notícias estatal Xinhua publicou recentemente um editorial no topo de sua primeira página acusando outros governos de usar repórteres de seus países para "controlar taticamente" a imagem da China na mídia estrangeira.

O "Diário do Povo", porta-voz do Partido Comunista e um indicador das tendências políticas, recentemente descreveu os esforços ocidentais para exportar a democracia e os direitos humanos para a China como uma nova forma de colonialismo.

Analistas sugerem que o aumento do sentimento nacionalista pode estar relacionado a uma série de acontecimentos que irritaram a liderança chinesa, incluindo disputas territoriais no mar do sul da China, a economia interna em acentuada desaceleração e o turbilhão político provocado pela queda do líder populista em ascensão Bo Xilai.

Bo, acusado de corrupção e de violar a disciplina do partido, está em detenção e aguarda seu destino, assim como sua mulher, Gu Kailai, que está envolvida na morte de um empresário britânico. O pano de fundo desses acontecimentos é a troca de liderança que ocorre a cada dez anos e está marcada para o fim de 2012.

Nas últimas semanas, dezenas de acadêmicos e turistas tiveram seus pedidos de vistos rejeitados pelas embaixadas chinesas em todo o mundo. Em Pequim, os jornalistas estrangeiros estão nervosos, perguntando-se se a expulsão em maio de uma correspondente americana da TV Al Jazeera é um sinal das coisas que virão.

Muitos chineses passaram a se sentir malvistos pelo Ocidente, apesar do marcante contraste entre o robusto crescimento da China, mesmo em um ritmo mais lento, e as fragilidades econômicas da Europa e dos EUA. Mas, além das conquistas invejáveis, há uma sensação fervilhante entre os chineses instruídos de que algo está faltando. As dúvidas são alimentadas pela corrupção, a censura e a crescente lacuna entre ricos e pobres. Mesmo com suas economias enfraquecidas, os países ocidentais -com seu regime de direito e sensação de segurança- ainda têm um apelo duradouro quando comparados com as incertezas do regime autoritário.

Dai Qing, uma escritora dissidente que costuma criticar o Partido Comunista, disse que essas antigas frustrações adormecidas foram despertadas quando os chineses comuns viram o favoritismo oficial pelos estrangeiros, mas sentiram que seu governo não respondia a eles.

"Se um turista japonês tem sua bicicleta roubada, todo o departamento de uma cidade vai trabalhar 24 horas para recuperá-la", disse. "Nunca fariam isso por um chinês."

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