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Rastreando as causas da morte de Lênin

Por GINA KOLATA

BALTIMORE - O paciente fundou um Estado totalitário conhecido por seu "terror inclemente", disse a médica Victoria Giffi a extasiada plateia de colegas e estudantes. Ele morreu repentinamente às 18h50 de 21 de janeiro de 1924, meses antes do seu 54° aniversário. A causa da morte: acidente vascular cerebral (AVC).

O evento era uma conferência clinicopatológica, um dos pilares das faculdades de medicina, em que um caso médico misterioso é resolvido com o diagnóstico de um patologista.

O paciente era Vladimir Ilitch Lênin. O mistério: por que, afinal, ele teve um AVC fatal tão jovem?

Na Universidade de Maryland, os médicos participantes já reviram os prontuários médicos de Edgar Allan Poe, Mozart, Beethoven e Alexandre, o Grande. Desta vez, Harry Vinters, professor de neurologia e neuropatologia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e Lev Lurie, historiador russo, foram chamados para resolver o mistério.

Quando bebê, disse Vinters, a cabeça de Lênin era tão grande que ele costumava cair. Ele batia a cabeça no chão, levando sua mãe a temer por uma deficiência mental.

Já adulto, ele foi acometido por males comuns à época: tifoide, dores de dente, gripe e uma dolorosa infecção cutânea. O estresse causava insônia, enxaquecas e dores abdominais.

Aos 48 anos, levou dois tiros num atentado. Uma bala se alojou na clavícula, a outra no pescoço.

Seu pai morreu aos 54 anos, vítima de uma suposta hemorragia cerebral, e a maioria dos seus sete irmãos morreu jovem. Dos três que sobreviveram, uma irmã morreu de AVC aos 71, outra de infarto aos 59, e um irmão morreu aos 69 de "estenocardia", termo médico arcaico cujo atual significado é obscuro.

Nos dois anos que antecederam a sua morte, Lênin sofreu três AVCs debilitantes. Nos últimos dias de vida, teve convulsões.

No entanto, Lênin não tinha os fatores de risco tradicionais para AVCs. Ele não tinha hipertensão não tratada. Não fumava. Fazia exercícios e só bebia eventualmente. Não tinha sintomas de infecção cerebral, nem de um tumor no cérebro.

As pistas para o AVC podem estar no histórico familiar, segundo Vinters. Os irmãos que sobreviveram tinham evidências de doença cardiovascular, e seu pai morreu de uma doença com descrição parecida com a que matou Lênin. Vinters disse que Lênin pode ter herdado uma tendência a desenvolver colesterol altíssimo, levando a um grave bloqueio dos vasos sanguíneos, que causou o derrame. Também havia o estresse, capaz de precipitar o AVC em quem tem veias e artérias entupidas.

Já as convulsões são um enigma talvez de relevância histórica. Ter várias convulsões, disse Vinters, é "bastante raro em um paciente com AVC". Mas, acrescentou ele, "quase qualquer veneno pode causar convulsões".

Lurie concordou que um envenenamento deve ter sido a causa da morte de Lênin.

O responsável mais provável? Stálin, que via em Lênin o principal obstáculo para dominar a União Soviética.

De 1921 a 1924, Lênin "passou a se sentir cada vez pior", disse Lurie. O revolucionário escreveu a Maxim Gorki: "Estou cansado demais, não quero fazer absolutamente nada".

Mesmo assim, ele planejava um ataque político contra Stálin, disse Lurie. E Stálin, ciente das intenções de Lênin, escreveu uma mensagem secreta ao Politburo em 1923 alegando que o próprio Lênin havia pedido para ser poupado dos seus problemas.

"Eu gostaria que Vladimir Ilitch fosse tranquilizado e acreditasse que, quando for necessário, irei cumprir sua solicitação sem hesitação."

Mas Stálin então acrescentava que não poderia fazer isso.

Porém, Lurie disse que Stálin poderia, sim, ter envenenado Lênin, por ter sido uma pessoa "cruel".

Vinters acredita que o colesterol estratosférico tenha causado um derrame, a principal causa da morte de Lênin. Porém, afirmou que houve ordens para que nenhum exame toxicológico fosse feito no cadáver.

O mistério permanece.

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