Índice geral New York Times
New York Times
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Na trilha dos bens dos ditadores

A busca por fortunas ilícitas no exterior

POR ROBERT F. WORTH
TRÍPOLI, LÍBIA

Pouco depois do início da revolta contra o ditador Muammar Gaddafi na Líbia, no ano passado, bancos e governos estrangeiros congelaram bilhões de dólares em ativos controlados por sua família e seu governo, assim como haviam congelado contas dos governos derrubados na Tunísia e no Egito.

Mas os ditadores e seus círculos íntimos passaram décadas reunindo e escondendo vastas fortunas, e grande parte dessa riqueza não é fácil de encontrar. Investigadores líbios dizem ter identificado dezenas de bilhões de dólares só em bancos suíços que nunca foram congelados -tudo subtraído da vasta riqueza do petróleo da Líbia e disfarçado sob nomes inócuos. Na Tunísia e no Egito, os novos governos estão verificando imóveis, iates e contas bancárias no exterior que também valeriam bilhões.

Os investigadores dizem que enfrentam enormes obstáculos para rastrear e recuperar o dinheiro. Na Líbia, as receitas do petróleo roubadas muitas vezes foram lavadas através de complexas operações no exterior que lhes deram um ar de legitimidade.

Também os novos governos do Egito e da Tunísia tentam recuperar os bens das famílias dos ex-governantes e seus aliados que, segundo eles, foram obtidos através do nepotismo, da corrupção ou do simples furto.

Provar que essas fortunas foram ganhas ilicitamente é extremamente difícil, sobretudo quando sistemas jurídicos estrangeiros estão envolvidos.

Em alguns casos, as pessoas que sabem onde está o dinheiro correm risco. Não apenas porque são consideradas criminosas em seus países, mas também porque detêm segredos de negócios questionáveis ou corruptos que envolvem empresas e governos no mundo árabe e no Ocidente.

Shukri Ghanem, ex-ministro do Petróleo líbio que fugiu do país no ano passado, foi encontrado morto em circunstâncias misteriosas no rio Danúbio, em Viena, em 29 de abril. Dias antes, ele tinha se oferecido para contar às autoridades líbias o que sabia sobre acordos de petróleo suspeitos em troca de imunidade.

Outro confidente de Gaddafi, Bashir Saleh Bashir -o único homem que sabe a localização dos US$ 7 bilhões em investimentos africanos do ditador, segundo autoridades líbias-, foi capturado por rebeldes no ano passado. Aparentemente eles o deixaram escapar, e mais tarde Bashir apareceu na França. As autoridades líbias acreditam que ele tenha informações sobre um negócio ilícito entre Gaddafi e o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, que nega ter recebido dinheiro do coronel. A localização de Bashir é desconhecida.

Até agora, quase nenhum dos "ativos obscuros" foi devolvido. Em março, as autoridades líbias conseguiram recuperar uma casa de US$ 15 milhões em Londres que pertencia a Saadi al Gaddafi, um dos filhos do ex-ditador, que hoje vive no Níger. Dois aviões na França e na Suíça pertencentes ao ex-ditador tunisiano Zine al Abidine Ben Ali, de US$ 30 milhões, foram transferidos para o novo governo da Tunísia no ano passado. Os ativos estatais congelados no exterior estão sendo disponibilizados gradualmente.

O resto do dinheiro muitas vezes está escondido atrás de diversas frentes em diversos países, segundo investigadores e advogados. Na teoria, grande parte ainda poderia ser sacada.

Advogados contratados pelo clã Ben Ali combateram os esforços de repatriação de US$ 70 milhões de contas bancárias na Suíça, segundo advogados que trabalham para as novas autoridades tunisianas.

"Recuperar esses ativos não é fácil", disse Robert Palmer, investigador do grupo anticorrupção Testemunha Global. "Primeiro, você precisa encontrar os bens. Depois, tem de provar que são propriedade do político em questão. Terceiro, tem de provar que eles foram corruptos. Isso exige reunir provas pelo país solicitante, o que é caro, difícil e exige tempo."

Atrasos no processo de recuperação causaram tensões entre os novos governos e países ocidentais. Em março, a Autoridade de Ganhos Ilícitos do governo egípcio abriu um processo contra o Tesouro britânico para tentar obrigá-lo a fornecer as informações necessárias para ajudar a repatriar US$ 135 milhões em contas bancárias pertencentes a 19 pessoas do círculo íntimo de Hosni Mubarak.

As autoridades britânicas dizem que são limitadas pela lei britânica, que exige que os egípcios lhes forneçam provas criminais.

A Suíça ainda bloqueia US$ 450 milhões em contas bancárias da família Mubarak, pendentes de resolução das alegações do governo egípcio.

Hussein Salem, magnata egípcio que era próximo de Mubarak, fugiu para a Espanha em 2011. Ele afirma que ganhou sua fortuna honestamente. Neste mês, a Suprema Corte da Espanha manteve uma decisão de extraditá-lo para o Egito para que ele responda às acusações de corrupção. O governo espanhol congelou apenas US$ 45 milhões de seus bens, e não está claro se o restante será devolvido.

Na Líbia, dos US$ 160 bilhões em ativos estrangeiros estatais listados pelo Banco Central do país pouco antes da revolução, bilhões nunca foram congelados porque ninguém sabia onde estava o dinheiro ou porque os governos em questão se recusaram a tomar medidas. Um painel da ONU foi formado para identificar esses bens, mas até agora fez poucos avanços.

O caso de Ghanem, o ex-ministro do Petróleo que morreu em Viena, ainda não foi solucionado e permanece um mistério.

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.