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Não há lugar melhor que o próprio lar

Jovens americanos de hoje relutam em migrar para encontrar emprego

"Sacudo dos meus pés a poeira desta cidadezinha atrasada e vou conhecer o mundo."

É o que promete George Bailey em 1946 no filme "A Felicidade Não se Compra", de Frank Capra. Mas, apesar de tentar durante anos, ele nunca sai de Bedford Falls. A história acompanha as atribulações de George, interpretado por James Stewart, enquanto ele percebe o valor de suas raízes naquela cidadezinha atrasada.

Muitos dos personagens de Jack Kerouac, por outro lado, fugiram dos valores das pequenas cidades. Em "Na Estrada", romance de 1957 sobre os beatniks sem raízes que percorrem a América em um surto anfetamínico de jazz e poesia, a mobilidade é sagrada. "Não havia um lugar para ir, mas todos os lugares", escreveu Kerouac. "Por isso apenas continuei rolando sob as estrelas."

Como mostrou David Brooks no "Times", as visões de mundo de Capra e Kerouac estão em conflito há tempo. Pois se existe uma inquietação natural que nos impele a sair de casa, essa pode ser uma experiência emocionalmente devastadora.

Brooks salientou que a ciência apoia Capra -para muitas pessoas as raízes, a comunidade e a família são predominantes. "A pesquisa da felicidade sugere que 'A Felicidade Não se Compra' está certo e 'Na Estrada' é uma ilusão", escreveu Brooks.

Apesar de vivermos em um mundo cada vez mais móvel, com tantas pessoas migrando para seguir oportunidades econômicas, a saudade de casa é uma agonia.

Susan J. Matt, autora de "Homesickness: An American History" [saudade de casa: uma história americana], escreveu no "Times" que a mudança cobra um preço emocional devastador, apesar do nome clínico benigno para a saudade criado no século 19: "nostalgia".

Hoje, a ênfase para a oportunidade torna a saudade de casa um segredo. "Esse silêncio faz a mobilidade parecer enganosamente fácil", escreveu. Mas um estudo descobriu que imigrantes mexicanos nos Estados Unidos sofrem 40% mais depressão e ansiedade do que seus parentes que ficaram no México.

E quanto à "ilusão reconfortante" da tecnologia? Segundo Matt, "se eles pudessem realmente superar a saudade de casa e nos tornar cidadãos do mundo, Skype, Facebook, celular e e-mail teriam curado uma dor que existe desde a 'Odisseia'".

Os americanos comemoram a falta de raízes em sua mitologia nacional (Kerouac é apenas um dos autores dessa tradição). Afinal, é uma nação de imigrantes.

Mas esses mitos podem estar desaparecendo. Todd G. Buchholz e Victoria Buchholz escreveram no "Times" que "os jovens americanos se tornaram avessos a riscos, sedentários", e, apesar de um índice de desemprego de 8,3%, poucos querem deixar suas cidades natais em busca de melhores empregos.

"Talvez esteja na hora de arrancar os fios das tomadas, encher os pneus da bicicleta e até reabrir a Rota 66 -o que for preciso para colocar nossos jovens de volta na estrada", escreveram os dois.

Mas os jovens americanos talvez estejam prestando atenção nas lições do próprio Kerouac, que morreu destruído pelo álcool em 1969, sem jamais criar raízes de verdade. Perto do fim da vida, Kerouac costumava sonhar com Lowell, Massachusetts, a pequena cidade da Nova Inglaterra onde ele foi criado, não muito diferente de Bedford Falls.

"Um sonho muito sugestivo e recorrente", disse o escritor, "e que sempre me deixa feliz quando acordo".

KEVIN DELANEY

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