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Ensaio - Floyd Norris

Teoria conspiratória na zona do euro

Imagine que há duas décadas uma Alemanha recém-unificada resolvesse dominar a Europa, como a Alemanha previamente unificada havia tentado sem sucesso meio século antes. Dessa vez, ela usaria dinheiro em vez de armas.

Não há evidência para essa teoria de conspiração. Mas, se houvesse, as coisas poderiam ter acontecido mais ou menos como aconteceram.

O que se segue é uma breve história do euro. As frases em itálico foram inventadas para amparar a teoria conspiratória. Mas os fatos estão inalterados.

Em meados de 1992, a experiência europeia com o câmbio semifixo estava sob pressão principalmente por causa da decisão do Bundesbank (o banco central alemão) de elevar os juros acentuadamente. Os termos generosos da unificação alemã haviam sobrevalorizado fortemente o marco alemão-oriental, causando inflação.

Esses juros altos trouxeram uma enxurrada de dinheiro para a Alemanha. Como outras moedas europeias estavam atreladas ao marco, elas também subiram, afetando a capacidade dos países de competir nos mercados mundiais. Para manter esse atrelamento, esses países precisaram elevar seus juros quando suas economias já estavam fracas, piorando suas situações domésticas.

Especuladores concluíram que o atrelamento cambial não poderia durar. Enormes vendas de liras italianas e libras esterlinas forçaram os governos a queimarem divisas para sustentar suas moedas.

Em setembro, Grã-Bretanha e Itália abandonaram o atrelamento cambial. Suas moedas se depreciaram rapidamente. Outros foram atrás. Os britânicos culparam os alemães por seus juros altos. "Acusações tendenciosas de responsabilidade não vêm ao caso", respondeu o então chanceler alemão, Helmut Kohl.

Para muitos europeus, a lição a tirar disso foi que as moedas comuns precisavam ser rígidas, para evitar qualquer ataque especulativo a uma moeda fraca.

A Europa já havia decidido no Tratado de Maastricht, assinado naquele ano, a buscar um caminho para a união monetária. As regras não previam qualquer mecanismo real de implantação, mas não havia forma de um país deixar a zona do euro.

É concebível que a Alemanha tenha aprendido três coisas com a experiência de 1992. Primeiro, que sem um câmbio fixo suas empresas exportadoras enfrentariam o risco de desvalorizações competitivas periódicas no resto da Europa. Segundo, que a união monetária poderia ajudar as exportações se o valor do euro fosse mantido baixo por causa de economias menos competitivas.

Finalmente, se a Alemanha adotasse uma política de juros baixos, os bancos poderiam abrir a torneira do crédito e criar um boom europeu financiado por dívidas. Isso causaria desequilíbrios. No fim das contas, países profundamente endividados enfrentariam uma crise, a qual só poderia ser solucionada se eles aquiescessem às políticas alemãs e cedessem uma grande parte da soberania nacional.

Em julho de 1992, o Bundesbank elevou sua taxa básica de juros em 75 pontos, para 8,75%. Ao longo dos anos, ele cortaria rapidamente os juros. Quando o euro foi lançado, a taxa estava em 2,5%.

Com o tempo, as exportações alemãs dispararam, enquanto seus vizinhos europeus usavam dinheiro emprestado para comprar produtos alemães. Os bancos alemães ajudaram a financiar bolhas imobiliárias na periferia.

O momento crítico da crise pode ter sido quando os bancos irlandeses quebraram, no começo de 2009. Se o governo irlandês tivesse dito que iria garantir os depósitos, mas que empréstimos feitos aos bancos poderiam deixar de ser pagos, os bancos alemães estariam em apuros e provavelmente precisariam ser resgatados pelo governo da Alemanha.

Em vez disso, o governo irlandês garantiu as obrigações bancárias -algo que ele não conseguiu bancar. A Irlanda é que precisou ser resgatada. A receita alemã para a Irlanda, como logo mais seria para outros países, foi a austeridade. Nos últimos anos, houve repetidas crises, com a Alemanha parecendo ser rígida até ceder na última hora e evitar um desastre, sem fazer nada que permitisse que as economias problemáticas crescessem.

O fim do jogo talvez esteja próximo. Países com problemas podem permanecer na zona do euro, enfrentando vários anos de recessão. Ou podem abandonar o euro, talvez atraindo uma catástrofe, mas tendo mais liberdade para desvalorizar suas moedas. Ou eles podem entregar sua soberania e aceitar a liderança alemã sobre uma Europa unificada. Aí a Alemanha irá resgatá-los.

Se a Europa não aceitar a oferta, e o euro se desintegrar, é difícil saber como será. Mas um novo marco alemão sem dúvida seria muito mais forte do que o euro é agora, tornando a vida bem mais difícil para os exportadores alemães. Isso leva alguns europeus a pensarem que a Alemanha está blefando e que ela irá continuar pagando a conta mesmo se não conseguir o que deseja.

O euro deveria selar a integração e a prosperidade europeias, assegurando que nunca mais o continente iria iniciar uma guerra mundial. Em vez disso, ele gerou ódio, recessão e ressentimento. Os gregos e outros veem nisso uma conspiração alemã. Os alemães veem uma conspiração para obrigá-los a pagar pelos pecados alheios.

Se isso escapar ao controle, a economia mundial pode ser a perdedora, independentemente de alguma conspiração ter realmente existido.

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