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Um russo com fome de protesto

Por DAVID M. HERSZENHORN

MOSCOU - Ilia Ponomarev estava diante de uma multidão de mais de 50 mil manifestantes antigovernamentais no centro de Moscou. Ele estreitava os olhos contra o vento chuvoso, socando o ar com o punho direito.

"Não conhecemos a natureza das autoridades sob as quais vivemos? Não sabemos exatamente o que é Putin?", gritou ele no comício em junho. "Precisamos agir!"

O vento esvoaçava a fita branca presa à sua lapela. "Precisamos continuar na ofensiva. Precisamos parar de falar e, em vez disso, realmente nos tornarmos o poder, porque nós somos o poder aqui", proclamou, irrompendo em uma declaração sincopada: "Nós! Aqui! [Somos o] poder!". A multidão gritou junto: "Nós! Aqui"

Ponomarev, 36, não é apenas um encrenqueiro descontente. Deputado em segundo mandato, ele tenta algo raramente visto na política russa moderna: revirar as instituições, mas participando delas.

Cientista de formação e empreendedor de tecnologia da informação por profissão, Ponomarev é um dos dois únicos deputados federais que lideram ativamente manifestações contra o presidente Vladimir Putin (o outro é seu amigo e também deputado Dmitri Gudkov, 32).

Ponomarev se projeta como um reformista pragmático, ainda que não eletrizante. Ele frequentemente atua como intermediário entre manifestantes e a tropa de choque da polícia, já que, sendo deputado, não pode ser preso nem processado.

Mas na Duma (Parlamento), onde ele e Gudkov são membros da facção minoritária Rússia Justa, ele é visto como um jovem arruaceiro, decidido a levar um pouco da rebeldia das ruas para um órgão que há mais de uma década aprova quase sem contestação as políticas de Putin.

Em junho, Gudkov, Ponomarev e outros promoveram a primeira obstrução parlamentar desde que Putin chegou ao poder. Embora não tenha conseguido bloquear a aprovação de uma lei que poderia impor multas pesadas a manifestantes políticos, o fato gerou ampla publicidade e mostrou que o Rússia Unida, partido de Putin, não tem mais um domínio irrestrito.

O mais importante, afirmou Ponomarev, é que foi um passo para a construção de uma oposição viável e para a promoção de um debate genuíno.

Ao contrário de outros líderes dos protestos, Ponomarev e Gudkov não tiveram suas casas reviradas por investigadores. Mas não está claro se a tolerância vai perdurar. Num comício em 12 de junho, Ponomarev abriu seu discurso fazendo piada com isso. "Um olá dos membros da Duma que estão livres, por enquanto".

Ponomarev se desloca entre os negócios, a política e o governo. Trabalhou na Iukos, outrora a maior empresa petrolífera russa, desenvolvendo sistemas de informática. Foi diretor de informações do Partido Comunista, e membro do Comitê Central.

"Se houver negociações pacíficas numa mesa redonda ou negociações de rendição incondicional, é preciso haver alguém capaz de dialogar com esses caras", disse Ponomarev. Se depender dele, as negociações começam o mais rapidamente possível.

"Na melhor das hipóteses, Putin vai estabelecer algumas conversas, negociações, e poderemos fazer uma transição de poder pacífica e gradual. Estaremos prontos para lhe oferecer todas as garantias."

Os principais obstáculos, admite, são que a oposição não está pronta e ainda não apresentou um líder capaz de angariar amplo apoio. No momento, o ativista anticorrupção Alexei Navalni parece a opção mais viável, mas reluta em criar e liderar um novo partido político. Enquanto isso, Putin se mantém firmemente no controle.

Até mesmo alguns dos amigos mais próximos de Ponomarev dizem que não será fácil para ele construir confiança, por causa das suas ligações com o "establishment". "Eu mesma não confio nele. Mas eu acredito nele. Eu sei que ele é o homem certo para mudar alguma coisa", disse Alena Popova, amiga e sócia de Ponomarev.

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