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Crianças deportadas não se adaptam ao México

Deportação força crianças a virarem estrangeiras

Por DAMIEN CAVE

IZÚCAR DE MATAMOROS, México - Jeffrey Isidoro sentou perto da porta de sua sala de aula da quinta série, aqui na região central do México, olhando para fora através dos óculos de grife que, como sua mochila e seu tênis Nike, sinalizaram uma vida passada quase inteiramente nos EUA. Seus pais, no México, se sentem em casa. Jeffrey está perdido.

Quando numa aula em espanhol ele precisa ler um trecho de um livro, seus colegas riem e gritam "en inglés, en inglés", fazendo Jeffrey corar.

"Houston é a minha casa", disse Jeffrey no intervalo, em inglês. "As casas, as coisas daqui, é tudo meio estranho. Eu me sinto, tipo, desconfortável."

Nos últimos anos, uma onda de deportações dos EUA, leis estaduais mais duras e o persistente desemprego criaram um fluxo em massa de migrantes retornando ao México com filhos americanos.

Ao todo, 1,4 milhão de mexicanos -incluindo cerca de 300 mil crianças nascidas nos EUA- voltaram para o México entre 2005 e 2010, segundo dados do Censo mexicano. E dados mais recentes sugerem que o fluxo não está diminuindo. O resultado é uma geração inteira de crianças que borram o limite entre ser mexicano e ser americano.

"É realmente um fenômeno novo", disse Víctor Zúñiga, sociólogo da Universidade de Monterrey, no Estado de Nuevo León, que faz fronteira com o Texas. "É a primeira vez na relação entre o México e os Estados Unidos que temos uma geração de jovens partilhando ambas as sociedades durante os primeiros anos de suas vidas."

Demógrafos e educadores temem que um número excessivo de crianças americanas esteja sendo matriculado em escolas mexicanas, despreparadas para integrá-las. E alguns argumentam que o que é o desafio de hoje para o México vai se tornar o problema dos EUA amanhã: jovens adultos com habilidades limitadas, infâncias conturbadas e pleno direito à cidadania americana.

"Esse tipo de mudança é realmente traumática para as crianças", disse a socióloga Marta Tienda, da Universidade de Princeton, em Nova Jersey, que nasceu no Texas e é filha de imigrantes mexicanos. "É uma coisa que vai continuar com eles."

O pai de Jeffrey, o carpinteiro Tomás Isidoro, 39, foi um dos 46.486 imigrantes deportados no primeiro semestre de 2011 que declararam ter filhos americanos, segundo relatório do serviço migratório para o Congresso.

Isidoro se diz irritado com o fato de que ser apanhado com uma lanterna do carro quebrada sem os documentos imigratórios tenha significado mais do que ter dois filhos americanos -Jeffrey, 10, e seu irmão, Tommy Jefferson, 2.

"Com todos esses viciados, traficantes, gente que não faz nada nos Estados Unidos, vocês vão chutar para fora gente como eu?", disse ele. "Por quê?"

A Casa Branca diz que, sob uma nova política focada em criminosos, menos pais de crianças americanas estão sendo deportados por causa de infrações leves. O governo Obama também anunciou que centenas de milhares de imigrantes ilegais que vieram para os EUA quando crianças poderão permanecer sem medo de deportação. Essa política, porém, não garante a regularização.

Em classe, o pensamento de Jeffrey vaga para Houston, para seus amigos, o McDonald's, o zoológico. Lá, a escola dele tinha playground. Aqui, só uma laje de concreto. "Lá era melhor", disse Jeffrey.

No ensino básico, algumas escolas mexicanas estão no mesmo nível, ou são até mais fortes, do que as superlotadas e mal financiadas escolas americanas que atendem a muitos filhos de imigrantes, segundo especialistas em educação.

Mas as escolas mexicanas ficam para trás no ensino secundário. E, em muitas regiões do México, a burocracia pode dificultar a vida de recém-chegados como Jeffrey.

Não é incomum que alunos americanos sejam proibidos de se matricular durante um ano ou mais por falta de documentos adequados.

Graciela González Treviño disse que, quando voltou para Malinalco, há três anos, seu filho de americano "se sentiu rejeitado por todos". "As crianças o chamavam de 'leche', 'gringo' -foi horrível." "Leche" (leite), assim como "gringo", pode ser um termo neutro ou um insulto para se referir a um estrangeiro.

Jeffrey disse que estava começando a se sentir mais confortável, mas mesmo numa escola com 11 outras crianças nascidas ou educadas nos EUA (de um total de 296) ele ainda é um estrangeiro. Seus pais lutam para encontrar trabalho e manter seu casamento. Jeffrey, em momentos mais calmos, disse que estava tentando suportar a situação até poder voltar para casa.

"Eu sonho, tipo, que estou dormindo nos Estados Unidos", disse ele. "Mas quando acordo, estou no México."

Colaborou Shaul Schwarz

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