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Ensaio - Edward Rothstein

O passado vive em Oaxaca

OAXACA, México - O passado lança uma sombra nítida e forte sobre Oaxaca, situada na extremidade sul do México, no ponto em que o país forma uma curva para o leste, em direção ao istmo.

Isso é visível nos planaltos montanhosos, onde as ruínas de escadarias piramidais antigas e campos de bola em formato de um "I" maiúsculo assinalam rituais misteriosos que desapareceram mais de um milênio atrás.

É visível nos dias de feira nas cidades vizinhas, cujas tradições talvez sejam ainda mais antigas que aquelas ruínas zapotecas. Barracas vendendo quinquilharias contemporâneas baratas -como camisetas de Bob Esponja e cestas pirateadas de Branca de Neve- dividem espaço com preparações culinárias originárias de séculos passados: gafanhotos crocantes temperados com pimentas vermelhas, montanhas de pasta preta "mole" (feita com pimentas, chocolate e amendoim).

E é visível no assombroso jardim botânico desta cidade, composto de plantas nativas da região, onde cactos e suculentas exóticos se estendem entre os muros de um mosteiro dominicano do século 16.

Contudo, apesar de toda essa imersão no legado cultural local, parece não haver nenhuma tentação de suavizar a dureza do passado e imaginar uma harmonia pastoral que teria sido perturbada pela colonização e apenas agora estaria tentando voltar à tona.

Quando você está no alto da colina de topo chato que domina o povoado de Atzompa, a poucos quilômetros de Oaxaca, olhando para um pico vizinho, consegue enxergar as ruínas imensas de Monte Albán, uma praça pré-colombiana de extensão surpreendente, usada em jogos e cerimônias. É um testemunho do poder e da riqueza material acumulada, além de constituir uma prova clara de uma organização política de grande escala -uma relíquia do que talvez tenha sido o mais antigo Estado organizado das Américas.

Já houve tentativas de romantizar esse passado. Pensou-se que algumas das gravuras que estão no museu de Monte Albán mostravam dançarinos realizando movimentos acrobáticos. Hoje, porém, elas recebem uma interpretação mais convincente: seriam imagens de prisioneiros de guerra que tinham sido brutalmente castrados.

O notável Jardim Etnobotânico de Oaxaca, situado no antigo mosteiro de Santo Domingo, não é um jardim no sentido europeu do termo. À primeira vista, pode até parecer inculto. Algumas seções do jardim, que cobre dois hectares, são dispostas segundo zonas climáticas. Mas o local também é organizado de modo a revelar uma espécie de história, começando com plantas cultivadas "a partir das sementes mais antigas conhecidas": sementes de abobrinha de 10 mil anos atrás encontradas numa caverna a 40 km da cidade, segundo o antropólogo Alejandro de Ávila Blomberg, que selecionou as plantas e idealizou o jardim.

Ele explica que a região de Oaxaca já abrigou mais grupos étnicos, mais línguas nativas e mais espécies de plantas que qualquer outra do México e que a maioria das regiões do mundo. Colunas de grandes cactos Stenocereus thurberi se estendem até o centro do jardim, plantadas como que para servir de guarda aos cactos produtores de nopal (um fruto comestível), reunidos por perto. Um inseto parasítico branco, a cochonilha, é visível nas folhas largas do cacto. Quando esmagado, o inseto deixa uma mancha vermelha viva, fonte de um pigmento usado no passado nas vestes dos cardeais e em tintas a óleo.

Ávila Blomberg explica que a cochonilha possibilitou "o esplendor de Santo Domingo". Ela é usada no jardim para colorir a água que passa por uma escultura do artista local Francisco Toledo. Intitulada "La Sangre de Mitla" ("O Sangue de Mitla"), a obra evoca uma das grandes ruínas zapotecas locais.

É claro que essa exibição de água cor de sangue tem uma razão de ser: este é um jardim nacionalista. E, em tom apenas parcial de brincadeira, Ávila Blomberg chama a atenção do visitante para o fato de um cacto estar situado no caminho que conduz à janela em arco do mosteiro, como se fizesse um gesto obsceno em direção aos colonizadores estrangeiros.

Mas nada disso diminui o fato de o jardim abranger todo esse passado numa tessitura cultural complexa.

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