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Ensaio - Jon Caramanica

Em busca do homem por trás das músicas

Está lá, gorda e suculenta, entre as faixas de "Fortune", o novo álbum de Chris Brown: uma canção chamada "Don't Judge Me" ("Não me Julgue"). Desde que se declarou culpado por agredir a então namorada Rihanna, em 2009, Brown lançou três álbuns ótimos, todos eles oportunidades para que o ouvinte buscasse pistas sobre seus conflitos interiores. Uma música chamada "Don't Judge Me" está gritando por mais consideração. Talvez Brown esteja finalmente disposto a partilhar algo.

Nenhum gênero parece exigir com tamanha frequência essa espécie de lupa quanto o R&B contemporâneo. Brown, Usher e R. Kelly, os três maiores astros masculinos do estilo, todos com álbuns novos, enfrentaram crises morais nos últimos anos, o que alterou a direção das suas carreiras. Suas atribulações deixaram marcas nas suas imagens.

Para Brown, a agressão a Rihanna continua pairando como uma nuvem, embora sua popularidade tenha aumentado. Kelly tomou outro rumo desde que foi absolvido, em 2008, de acusações envolvendo pornografia infantil e enfatiza um soul clássico e neutro, em vez das músicas mais picantes de antes. Só Usher encarou suas polêmicas -acusações de infidelidade, um divórcio turbulento-, embora, para ser honesto, fossem problemas morais e pessoais, não penais.

Dos três artistas, também só Usher oferece uma possibilidade de ser ouvido com distanciamento. Com o passar dos anos, sua voz se cristalizou como uma das mais apaziguadoras do R&B, e em "Looking 4 Myself" -o seu novo álbum, com momentos ótimos- ele abarca vários estilos.

Os vocais de Usher revelam pouco, ao passo que suas letras entregam tudo, mas esse é provavelmente o seu trabalho menos intimista desde o sucesso de "Confessions", em 2004. Ele é o mais flexível astro do R&B e também o mais à vontade. "Climax", primeiro single do novo álbum, transmite uma tranquila sedução na voz, mas a letra é trágica. "Eu dei o melhor de mim/não foi suficiente", murmura ele. "Fizemos uma bagunça do que costumava ser amor/então por que eu vou ligar?", acrescenta.

Usher é um raro artista aperfeiçoado por seus tropeços. Kelly, por outro lado, parece acovardado pelos seus. Sua resposta implícita às turbulências foi limpar totalmente a sua música. Usher fez o contrário, limpando a si mesmo pela confissão.

"Write Me Back", novo álbum de Kelly, é tecnicamente competente, mas sem os vocais insinuantes e as temáticas lúbricas que marcaram sua fase mais virtuosa. Seus problemas judiciais, embora resolvidos, parecem ter acabado com a capacidade de Kelly de ser romanticamente incisivo, ou de usar alguma das lamentáveis metáforas que vinculam o sexo à violência.

Brown foi o menos articulado na resposta às suas ações, enfiando sorrateiramente letras ressentidas em seus álbuns, mas sem tratar publicamente até agora dos fatos que fizeram dele quase um pária.

Hábil, cheio de energia, "Fortune" segue nessa tendência. E, não, "Don't Judge Me" não é sobre a sua imagem pública. Pelo menos não essa parte da sua imagem pública. "Você tem ouvido rumores sobre mim", canta ele, "e você não engole a ideia/de alguém tocando o meu corpo/quando você está tão perto do meu coração". Até nas confissões Brown precisa se gabar das suas proezas sexuais.

Ouvir Brown no seu nível mais profundo é equilibrar os prazeres estéticos, quando eles existem, com uma autoproteção (coisa do superego) contra se alinhar demais a alguém que faz coisas tão hediondas.

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