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Filme expõe a vida numa ilha dos Açores

Por MIKE HALE

"É na Terra Não é na Lua", do cineasta português Gonçalo Tocha, começa com nada visível exceto água, a proa de um barco e, à distância, o contorno difuso de algo que talvez seja uma ilha. O barco está levando Tocha à ilha do Corvo, a menor e mais distante do arquipélago dos Açores, no meio do oceano Atlântico, a quase 1.500 quilômetros de Portugal.

"Os Açores são uma loucura", diz o capitão do barco. "E o Corvo é uma loucura ainda maior."

Nas três horas seguintes, o filme, que já recebeu vários prêmios, mergulha o espectador na ilha minúscula (18km2) e incomum, habitada por menos de 500 pessoas. Tocha procura nos mostrar tudo o que existe para ser conhecido na ilha, que ele descreve como "o fim -depois dela, não dá para ir a nenhum lugar".

Vista através das lentes de Tocha, Corvo é um lugar onde rituais pré-modernos de colheita e abate de animais convivem com bolas de discoteca e uma eleição local disputada, saturada de mídia. Idosos que ainda pastoreiam gado perto de penhascos de 600 metros de altura se recordam dos tempos em que um foguete assinalava que baleias tinham sido avistadas, levando-os a correr até o mar para empunhar seus arpões.

Falando ao telefone desde o norte de Portugal, Tocha disse que "É na Terra Não é na Lua" é "um filme de viagem de aventura. É como o livro de um explorador que vai a um lugar e redige suas descobertas num diário."

Há algo de literário e antigo no filme, que ao mesmo tempo, porém, passa uma impressão inteiramente moderna.

"Fui para lá sem nenhuma ideia prévia do que pretendia fazer", disse Tocha, 33. "Ainda não fazia ideia do tipo de filme que seria."

Segundo longa-metragem do diretor, "É na Terra" surgiu a partir do primeiro trabalho dele, "Balaou", sobre uma viagem de barco que ele fez até Lisboa após a morte de sua mãe, nascida nas ilhas. "Todo ano eu ia aos Açores", contou. "Era como um sonho de infância com a natureza e o oceano."

"É na Terra" mostra a paisagem absurdamente dramática da ilha desde todas as perspectivas: o alto de seus penhascos, seus pequenos pastos, o interior da cratera estranha de um vulcão extinto.

"É realmente difícil filmar o Corvo, convencer as pessoas a falar", disse Tocha. "Elas desconfiam do que a imagem é capaz de fazer. São orgulhosas."

Sua equipe de duas pessoas levou dois anos filmando até conquistar a confiança dos ilhéus. Os frutos do trabalho foram 180 horas de filmagens e um relacionamento que se evidencia na tela, quando Tocha e seu técnico de som filmam os ilhéus, habitantes de uma cidadezinha portuária bonita que data do século 16, cuidando de seus afazeres: cultivando a terra, pescando, ou olhando para o mar.

Os jovens foram os que mais resistiram a aparecer no filme.

"Na realidade, gostei disso. Eles são a geração que não fala, e dentro de 20 anos são eles que estarão no comando da ilha", disse o diretor. Ele encontra no ritmo das ilhas uma analogia com seus próprios métodos de trabalho.

"Os açorianos têm a mania de olhar longamente para as coisas, simplesmente suspender a ação que estão fazendo e começar a olhar -para o oceano, uma vaca, a paisagem", disse. "Não sei o que se passa em suas cabeças. Mas é como uma tomada longa, que se inicia e conclui sozinha, sem que eu precise cortá-la. É por isso que gosto de fazer filmes nos Açores."

Por muito tempo um símbolo do isolamento, a ilha do Corvo passou por transformações radicais com o aprimoramento dos transportes nos últimos 50 anos e essas transformações só vão se acelerar.

"Tudo o que está acontecendo em todo lugar na sociedade ocidental está acontecendo também nesta ilha, mas está acontecendo pela primeira vez", disse Tocha. "É um laboratório da vida humana."

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