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Uma lição para o setor de tecnologia

Presença de montadoras estrangeiras nos EUA é novo modelo

Um modelo americano para gerar empregos em tecnologia

JOSH ANDERSON PARA THE NEW YORK TIMES
Montadoras estrangeiras respondem por 40% dos carros feitos nos EUA, como nessa fábrica da Nissan no Tennessee
Montadoras estrangeiras respondem por 40% dos carros feitos nos EUA, como nessa fábrica da Nissan no Tennessee

Este artigo é de autoria de Bill Vlasic, Hiroko Tabuchi e Charles Duhigg

SMYRNA, Tennessee

Três décadas atrás, dizia-se que as montadoras japonesas não iriam fabricar muitos carros fora do Japão, onde as cadeias de distribuição estavam instaladas, os custos eram rigidamente controlados e a reputação de qualidade era inigualável.

"Eles estavam muito pouco familiarizados com fazer qualquer coisa fora do Japão", disse o senador republicano Lamar Alexander, que era governador do Tennessee quando a Nissan inaugurou sua primeira fábrica lá, em 1983. "Eles ficavam hesitantes e incomodados até de discutirem isso."

Hoje, duas fábricas da Nissan e cerca de cem fornecedores da empresa estão no Tennessee.

Agora, ecos daquele lugar-comum são ouvidos no setor americano de tecnologia. Há anos, empresas como Apple, Dell e Hewlett-Packard, que dependem de enormes fábricas asiáticas, dizem que só fora dos EUA seria possível encontrar uma abundância de engenheiros de nível médio, mão de obra barata e fornecedores com pronta entrega.

Mas a migração das montadoras japonesas de veículos para os EUA nos últimos 30 anos oferece um estudo de caso sobre como as mais improváveis transformações podem acontecer. Apesar do seu declínio, a indústria automobilística americana continua sendo uma das que mais produzem e geram empregos. As empresas japonesas e de outros países estrangeiros respondem por mais de 40% dos carros fabricados nos EUA, gerando 95 mil empregos diretos, e centenas de milhares de indiretos.

Os EUA conquistaram esses empregos graças à pressão da opinião pública e do Congresso sobre o Japão, às quotas "voluntárias" para a exportação de veículos japoneses e aos incentivos, inclusive tributários, para a instalação de fábricas japonesas. Pressionar empresas tecnológicas a transferirem sua produção para os EUA implicaria desafios diferentes.

Muitos gigantes da tecnologia são americanos, e não estrangeiros e por isso são vistos de forma diferente pelos políticos e pela população. Mas pressioná-las é possível e pode valer a pena, segundo alguns economistas.

"Os EUA têm uma longa história de exigir que empresas fabriquem aqui se quiserem vender aqui, porque isso faz as indústrias pegarem no tranco", afirmou Clyde Prestowitz Jr., que se envolveu em negociações com o Japão como funcionário do governo Ronald Reagan, na década de 1980.

O governo também poderia estimular a produção doméstica de tecnologias -para telas ou semicondutores, por exemplo- que nutram novos setores.

"Em vez disso, deixamos que esses empregos sigam para a Ásia e aí as cadeias de distribuição vão atrás e a pesquisa e desenvolvimento vai atrás e logo faz sentido fabricar tudo no exterior", disse ele.

"Se a Apple ou o Congresso quisessem que peças valiosas do iPhone fossem feitas na América, não seria difícil."

Geração de empregos

Um país recentemente conseguiu atrair empregos em tecnologia.

No ano passado, o Brasil usou subsídios e a ameaça de manter tarifas de importação elevadas para convencer a Foxconn -que produz smartphones e computadores na Ásia para dezenas de marcas- a fabricar iPhones e outros equipamentos em Jundiaí (SP).

Essa fábrica já tem mil empregados e pode contratar muitos outros.

Mas um país em desenvolvimento como o Brasil pode adotar políticas comerciais que seriam difíceis para os EUA.

A adoção de políticas radicais para a redução das importações de bens tecnológicos pode violar acordos internacionais e desencadear um conflito comercial.

O protecionismo, argumentam muitos economistas, é uma política ruim no mundo globalizado de hoje.

Os países se beneficiam mais quando se concentram no que fazem de melhor, e barreiras comerciais elevam preços e abalam a competitividade de uma nação, por blindar suas indústrias de forças de mercado que motivam a inovação.

Os EUA, segundo economistas, não deveriam ir atrás do trabalho mal pago da montagem de eletrônicos, que pode ser substituído por robôs. Em vez disso, deveriam priorizar empregos mais bem remunerados.

"Fechar nossa fronteira é um pensamento do século 20 e só vai enfraquecer a economia em longo prazo", disse Andrew Liveris, presidente da Dow Chemical e copresidente da Parceria da Indústria Avançada, um grupo de executivos e acadêmicos reunido pela Casa Branca para estudar formas de estimular a indústria americana.

Com o desemprego elevado, os candidatos presidenciais Barack Obama e Mitt Romney têm trocado farpas sobre a migração de postos de trabalho.

O ressurgimento do setor automobilístico americano é um exemplo de como uma atividade industrial pode gerar milhares de bons empregos.

Desde junho de 1983, a Nissan já produziu mais de 7 milhões de veículos nos EUA e hoje emprega 15 mil pessoas no país.

Ela fabrica mais de meio milhão de carros, caminhões e utilitários esportivos por ano, sendo que a fábrica de Smyrna produz seis modelos e em breve vai incluir o elétrico Leaf.

Outras montadoras estrangeiras atuam nos EUA -Honda, Toyota, Hyundai, BMW, Mercedes-Benz e Volkswagen.

E algumas dessas fábricas estão entre as melhores do mundo.

A fábrica da Nissan em Decherd, Tennessee, por exemplo, exporta motores para o Japão. "Temos atualmente 14 empresas que produzem veículos leves aqui e isso é enorme", disse Thomas Klier, economista do Fed (Banco Central dos EUA) em Chicago.

"Não existe um mercado importante no mundo que se compare a isso."

Os primórdios da Nissan

A princípio, por causa da preocupação com a qualidade, a Nissan não comprava peças de fornecedores americanos. A maioria delas vinha do Japão ou de empresas japonesas que haviam instalado operações nos arredores.

"Sentimos que adquirir peças nos EUA não nos permitiria fazer carros do nosso jeito", disse Hidetoshi Imazu, executivo da Nissan que comandou o desenvolvimento da fábrica de Smyrna nos seus primeiros anos.

Gradualmente, esse cenário mudou. Hoje, a Calsonic Kansei, com sede em Tóquio, emprega cerca de 2.600 americanos no Tennessee, fabricando painéis de instrumentos, sistemas de escapamentos e outras peças.

As dúvidas que a Nissan tinha no começo se refletem nos recentes debates sobre a capacidade americana de competir com a mão de obra do exterior.

No setor tecnológico, os operários asiáticos são vistos como mais dispostos a tolerar jornadas de trabalho árduas para atingirem metas de produtividade. Um trabalho desses, dizem executivos, seria desprezado nos EUA.

No setor automobilístico, a desconfiança frente aos trabalhadores americanos acabou. Neste ano, a Nissan realizou um concurso interno para decidir onde produzir seu novo utilitário de luxo Infiniti. Surpreendentemente, a fábrica de Smyrna venceu.

No Tennessee, mais de 60 mil empregos estão ligados ao setor automotivo. O desemprego no Estado, que em 1983 era bem superior à média nacional, agora está abaixo -8,1% em junho, contra 8,2% em nível nacional.

Avenida Steve Jobs

A princípio, por causa da preocupação com a qualidade, a Nissan não comprava peças de fornecedores americanos.

A maioria delas vinha do Japão ou de empresas japonesas que haviam instalado operações nos arredores.

"Sentimos que adquirir peças nos EUA não nos permitiria fazer carros do nosso jeito", disse Hidetoshi Imazu, executivo da Nissan que comandou o desenvolvimento da fábrica de Smyrna nos seus primeiros anos.

Gradualmente, esse cenário mudou. Hoje, a Calsonic Kansei, com sede em Tóquio, emprega cerca de 2.600 americanos no Tennessee, fabricando painéis de instrumentos, sistemas de escapamentos e outras peças.

As dúvidas que a Nissan tinha no começo se refletem nos recentes debates sobre a capacidade americana de competir com a mão de obra do exterior.

No setor tecnológico, os operários asiáticos são vistos como mais dispostos a tolerarem jornadas de trabalho árduas para atingirem metas de produtividade. Um trabalho desses, dizem executivos, seria desprezado nos EUA.

No setor automobilístico, a desconfiança frente aos trabalhadores americanos acabou. Neste ano, a Nissan realizou um concurso interno para decidir onde produzir seu novo utilitário de luxo Infiniti. Surpreendentemente, a fábrica de Smyrna venceu.

No Tennessee, mais de 60 mil empregos estão ligadas ao setor automotivo.

O desemprego no Estado, que em 1983 era bem superior à média nacional, agora está abaixo -8,1% em junho, contra 8,2% em nível nacional.

EUA correm atrás

Ao longo do seu mandato, Obama tem reunido assessores para discutir a indústria, segundo ex-funcionários graduados da Casa Branca.

Mas há diferenças sobre como trazer as fábricas de volta para o país, segundo pessoas familiarizadas com as discussões.

Em março, Gene Sperling, diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, delineou algumas iniciativas -incluindo isenções tributárias para a construção de fábricas nos EUA, investimentos em infraestrutura e combate a "práticas comerciais injusta".

Em maio, o Departamento de Comércio anunciou a adoção de tarifas sobre painéis chineses de energia solar, acusados de concorrência desleal.

Mas Washington em geral evita medidas de retaliação contra atitudes protecionistas de países como a China, como fizeram os políticos no passado contra o Japão.

Hoje, muitos consumidores não sabem ou não se importam com a origem dos seus smartphones.

"Onde ele foi fabricado, o que isso significa para a política, como isso afeta a economia -não são coisas nas quais as pessoas pensem na hora de comprar", disse Raymon Stata, fundador da Analog Devices, um dos maiores fabricantes de semicondutores do mundo.

ON-LINE: O IMPOSSÍVEL VIRA POSSÍVEL
Fotos, um gráfico mostrando o avanço das montadoras estrangeiras nos EUA, outros artigos e recursos multimídia (em inglês) nesta série sobre os desafios impostos por setores de alta tecnologia cada vez mais globalizados. nytimes.com/ieconomy

Com reportagem de Bill Vlasic, de Smyrna (Tennessee); Hiroko Tabuchi, de Tóquio; e Charles Duhigg, de Nova York. Colaborou Lis Horta Moriconi, do Rio de Janeiro

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