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O mundo desde uma limusine-casulo

POR DENNIS LIM

Filme tem diálogos de Don DeLillo

O teórico social Marshall McLuhan descreveu os meios de comunicação como "extensões do homem". O cineasta David Cronenberg, também canadense, já fez vários filmes que podem ser vistos como elaborações surpreendentes partindo desse insight.

O filme mais recente de Cronenberg, "Cosmopolis", é ambientado no mundo do capital global, da informação digital e onde tudo é virtual. Seu protagonista -um bilionário cambista que vive dentro de uma limusine branca que praticamente faz as vezes de segunda pele dele- negocia e fala em abstrações. Ele próprio é quase um holograma, um jovem e impenetrável mestre de um universo conceitual.

"Cosmopolis" acompanha o sofisticado Eric Packer (representado por Robert Pattinson, o galã de "Crepúsculo") num dia que acaba sendo de ajuste de contas. Percorrendo em ritmo lento o trânsito de Manhattan para um corte de cabelo marcado no outro lado da cidade, ele recebe uma sucessão de profissionais em seu automóvel, que faz as vezes de sala do conselho de direção de sua empresa, quarto de dormir e até mesmo consultório médico.

Distrações externas aparecem atrás dos vidros fumê e em telas: um comboio presidencial, manifestações anticapitalistas.

Tudo acontece e é vivenciado à distância, como se fosse num sonho. A aposta que Eric faz contra o yuan chinês acaba sendo desastrosa, mas ele reage com um desapego estranho, contemplando, como que entorpecido, a perspectiva de sua aniquilação econômica.

Baseado num romance de 2003 de Don DeLillo, "Cosmopolis" funde as sensibilidades particulares do cineasta e do escritor, ambos já foram descritos como proféticos, o que é uma maneira resumida de dizer que ambos têm antenas ligadas para apreender as forças maiores que moldam nosso mundo e nosso senso de realidade.

"Cosmopolis", o livro, não é material óbvio para a tela. Mas David Cronenberg já localizou vida cinematográfica em romances que muitos considerariam impossíveis de filmar, como "Almoço Nu", "Crash" e "Spider". Alguns críticos no Festival de Cinema de Cannes consideraram "Cosmopolis" estático demais.

Ao telefone, Cronenberg disse que o objetivo foi criar um senso de claustrofobia. "Adoro a ideia ascética de tanta coisa acontecer dentro de uma limusine", explicou. "Não acho que isso resulte em monotonia. Pelo contrário: obriga você a ser inovador."

Ele chegou a transferir uma cena, um encontro entre Eric e seu marchand de arte, de um apartamento para o carro.

Cronenberg transcreveu os diálogos de DeLillo quase sem mudanças para o filme. "São muito estilizados, mas representam alguns dos ritmos internos da psiqueamericana", disse.

De algumas maneiras, "Cosmopolis" leva adiante muitos temas do filme anterior de Cronenberg, o drama sobre Freud e Jung "Um Método Perigoso". A jornada de Eric pode ser concebida em termos freudianos: um impulso de morte.

Os dois filmes, em que os diálogos são importantíssimos, compartilham uma visão da linguagem como instrumento de poder.

"Em 'Um Método Perigoso', a linguagem está sendo reformulada e estão sendo criados termos para descrever fenômenos que ainda não foram reconhecidos", explicou Cronenberg. "Há um pouco disso também em 'Cosmopolis', onde a terminologia é poder."

Se "Cosmopolis" foi saudado por alguns como romance pós-11 de Setembro, agora parece ter se antecipado à crise financeira.

"O mundo parece ter cumprido o que o livro pressagia", disse Cronenberg, acrescentando que o movimento Ocupe Wall Street estava ganhando ímpeto quando as cenas de protestos de rua estavam sendo filmadas. Mas, para ele, não se deve exagerar a importância das conexões: "Nem eu, nem Don, temos a aspiração de sermos profetas".

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