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Jovem afegã é salva após ser torturada por meses

Por GRAHAM BOWLEY

CABUL, Afeganistão - Quando Sahar Gul se recusou a prostituir-se ou a fazer sexo com o homem com quem foi forçada a se casar aos 13 anos, os familiares de seu marido a torturaram e a deixaram meses jogada num porão sujo, sem janelas, até ela ser encontrada pela polícia, deitada sobre palha e estrume de animais.

Em julho, um tribunal de recursos confirmou as sentenças de prisão de dez anos cada para três dos familiares do marido de Sahar Gul, numa decisão saudada como triunfo legal que ressalta as conquistas dos últimos dez anos em matéria dos direitos das mulheres. Ela está se recuperando de suas feridas num abrigo para mulheres em Cabul.

Mas, para muitos defensores dos direitos humanos, o caso de Sahar Gul, que ganhou a atenção do presidente, Hamid Karzai, e da mídia internacional, é a exceção que comprova a regra, não passando de uma vitória pequena em meio aos inúmeros casos de abuso a mulheres que não vêm à tona.

Além disso, os grupos de defesa das mulheres temem que mesmo os avanços tênues conquistados na proteção de algumas mulheres possam ser desfeitos se a atenção do Ocidente se desviar do Afeganistão, na medida em que as tropas da Otan se retiram do país e que o dinheiro internacional injetado em sua economia diminui.

"Se você tirar esses recursos e essa pressão, os avanços não serão sustentáveis", disse Heather Barr, pesquisadora do grupo Human Rights Watch.

Sahar Gul, que hoje tem 14 anos, cresceu em Badakhshan, uma província montanhosa pobre no norte do país. Após a morte de seu pai quando ela ainda era pequena, foi viver com seu meio-irmão, Mohammad. Ela ajudava com o trabalho duro -cuidando de vacas, ovelhas e do pomar e moldando tijolos de estrume-, mas a esposa de seu meio-irmão a rejeitava. Quando Mohammad foi contatado por um homem de 30 anos, Ghulam Sakhi, sua esposa o pressionou a entregar Sahar Gul para se casar com ele, apesar de ela ainda não ter chegado à idade legal do casamento: 16 anos, com o consentimento do pai.

De acordo com promotores e autoridades do governo, Ghulam Sakhi pagou pelo menos US$5.000 pela menina, numa transação ilegal. Ele a levou para a casa de seus pais, em Baghlan, a centenas de quilômetros de distância.

De acordo com Rahima Zarifi, a presidente do departamento de assuntos de mulheres de Baghlan, a primeira esposa de Ghulam Sakhi tinha fugido porque Ghulam e sua mãe a espancavam, porque ela não gerava filhos. Ainda segundo Zarifi, é possível que ele tenha ido tão longe para procurar uma nova esposa porque sua família pretendia forçar a jovem a se prostituir.

Frustrada porque a menina não conseguia fazer todo o trabalho de casa pedido, a família a colocou no porão, onde ela dormia sobre o chão, sem colchão e com pés e mãos amarrados com uma corda. Recebia apenas pão e água e era espancada regularmente.

Segundo Sahar Gul e Mushtari Daqiq, advogado do grupo de ajuda Mulheres em Defesa de Mulheres Afegãs e também advogado de Sahar Gul, a maioria dos espancamentos era feita por Amanullah, o velho pai de Ghulam Sakhi.

Eles disseram que Amanullah bateu na menina com varas, mordeu seu peito, inseriu ferros quentes em suas orelhas e vagina e arrancou suas unhas.

O meio-irmão de Sahar Gul e seu tio Khwaja tentaram visitá-la algumas vezes, mas a família dizia que ela não estava em casa. Em dezembro passado, seis meses após o casamento, eles voltaram para a casa com dois policiais e ouviram a voz dela no porão. A polícia prendeu a sogra, Siyamoi, sua filha, Mahkurd, e Amanullah.

A família disse à polícia que Ghulam Sakhi fazia parte do Exército afegão e estava em serviço em Helmand. De acordo com moradores e autoridades locais, foi descoberto mais tarde que a informação era falsa, mas a mentira deu tempo a ele de fugir, juntamente com seu irmão. Os dois continuam foragidos. Siyamoi e Mahkurd estão numa prisão feminina em Cabul.

Em um abrigo em Cabul, Sahar Gul declarou: "Quero me tornar política e impedir que outras mulheres sofram o que eu sofri".

O receio é que seu resgate possa ser uma exceção, e não uma nova regra. "Temos muitos casos mais graves que este, em que mulheres são trucidadas", disse Zarifi. "Ninguém fica sabendo sobre elas."

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